É evidente que no Brasil a política institucional e a vida política foram talhadas pelos homens e para eles, mas nas últimas eleições ocorridas no nosso país, cresceram o número de pessoas ligadas à comunidade LGBTQIA+ que se candidataram a cargos eletivos. Com um maior incentivo à diversidade, a presença de mulheres também aumentou.
Ocorre que, a violência diária sofrida por esta parcela da população não é protegida pelos cargos eletivos e de forma contrária, até mesmo há um aumento na violência sofrida por elas, devido especialmente à maior exposição de sua imagem, de suas crenças, sua realidade, entre outros.
Ainda que a igualdade de gênero no nosso país tenha sido materializada por meio da Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso I, a Lei nº 14.192/2021 inova, reforça e traz instrumentos para que seja enfrentada uma dura realidade existente no contexto brasileiro: a violência política contra a mulher:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Publicada em 4 de agosto de 2021 pelo Presidente Jair Messias Bolsonaro, estabelece, segundo seu próprio dispositivo, “normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher”.
Ao mesmo tempo, também dispõe “sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral, para criminalizar a violência política contra a mulher e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais.”
Isso significa dizer que a norma, que influenciará de forma direta as eleições de outubro de 2022, proíbe propaganda partidária que deprecie a condição das candidatas como mulheres ou estimule a discriminação de gênero ou em relação a sua cor, raça ou etnia, conforme descrito nos seus artigos:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas, e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais e dispõe sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral.
Art. 2º Serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas.
Parágrafo único. As autoridades competentes priorizarão o imediato exercício do direito violado, conferindo especial importância às declarações da vítima e aos elementos indiciários.
De forma aprofundada, além do que fora descrito nos artigos 1º e 2º, o artigo 3º da Lei conceitua essa modalidade de violência e acrescenta em seu parágrafo único atos que também a configuram:
Art. 3º Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.
Parágrafo único. Constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.
Traz também nos artigos 4º a 6º importantes modificações a serem feitos no Código Eleitoral, na Lei dos Partidos Políticos e na Lei das Eleições (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 e na Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, respectivamente) sobre o assunto.
Em síntese, sobre o primeiro, há “a atualização do tipo penal de “divulgação de fatos inverídicos”, constante do caput do artigo 323. Agora esse crime não está restrito apenas à propaganda eleitoral, mas também àquelas divulgações que ocorram durante o período de campanha eleitoral em outros meios.” .
Com relação ao segundo, há acréscimo de um novo inciso em seu artigo 15, que trata sobre o estatuto do partido e seu conteúdo. A Lei dos Partidos Políticos passa a prever que obrigatoriamente esse documento deve falar sobre a “prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher.”
Quanto ao terceiro o inciso II do artigo 46 ganha nova redação de forma a assegurar a equivalência de candidatos de todos os partidos, respeitando a proporção entre pessoas de ambos os sexos – homens e mulheres.
Por fim, em seu artigo 7º prevê que as associações políticas devem cumprir com o que está previsto no conteúdo legal no prazo de 120 (cento e vinte) dias contados da sua publicação, que se deu no dia 4 de agosto de 2021, logo, os partidos políticos devem já ter adequado seus estatutos à norma aqui discutida.
Assim, resta evidente que a lei, relevante no contexto brasileiro em que ainda há o retrógrado pensamento de que a política institucional deve ser ocupada por aqueles que são do sexo masculino, define, combate, criminaliza à violência política de gênero e possui a finalidade de proteger a mulher.
Além disso, publicada e em vigor, alterará positivamente a realidade das candidatas a cargos representativos em nosso país, de forma a conscientizar a sociedade sobre a questão, bem como assegura sua participação e colaboração de forma digna na vida pública.
Mais informações:
Graduada em Direito e Especialista em Direito Processual Civil e Argumentação Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas, especialidade Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).