Texto por: Renard Aron, autor do livro Lobby Digital.
Lobby Digital, meu livro, completou um ano. Ele nasceu virtual nos primeiros meses da pandemia, durante uma live. Então nada mais apropriado do que celebrar a data aqui, neste espaço virtual da Metapolítica e compartilhar algumas ideias sobre a evolução do lobby no ambiente digital, no Brasil e nos EUA.
Tendências do lobby digital:
1 – O ESG (environmental, social and governance) se firmando como parte da agenda relgov;
2 – Influenciadores e as celebridades se dividindo em dois grupos, os comprometidos com uma causa e os que participam do debate ocasionalmente como parte de uma estratégia de advocacy;
3 – A entrada em campo de serviços mais sofisticados de mapeamento de stakeholders e social listening;
4 – A reafirmação da força dos gatekeepers tradicionais e a instrumentalização das mídias sociais por grupos difusos.
Dentre as quatro tendências, a que mais me chamou a atenção é o aumento da pressão da sociedade para que empresas se posicionem sobre temas sociais sendo debatidos pelo legislativo e/ou executivo. Interessante, no entanto, é que nem todos os temas sociais têm o mesmo peso; uns recebem mais atenção do que outros. Isto ficou claro quando empresas no Brasil se posicionaram maciçamente contra o PL 204 que foi apresentado na Assembleia Legislativa de São Paulo visando proibir a participação da comunidade LGBTQIA+ na publicidade, ao mesmo tempo em que ficaram de fora da discussão em torno do PL 2633 (PL da Grilagem) na Câmara dos Deputados. O PL 2633 facilita a legalização de terras públicas na floresta Amazônica que foram ilegalmente ocupadas e desmatadas. Isto é, os direitos da comunidade LGBTQIA+ entraram na agenda de advocacy das empresas enquanto que a proteção ambiental ficou de fora.
Nesta mesma linha, nos EUA, quando a legislatura do Texas recentemente aprovou uma lei anti-aborto, a sociedade fortemente pressionou empresas a se posicionarem contra a lei, mas estas, na sua absoluta maioria, ficaram de fora desta conversa. Por outro lado, várias empresas sucumbiram à pressão da sociedade quando na Geórgia e no Texas as legislaturas estaduais passaram leis dificultando o acesso ao voto. Delta e Coca Cola estão entre as empresas que se viram forçadas a se posicionar sobre o tema na Geórgia, enquanto a Dell pró-ativamente se posicionou de forma contrária a um projeto de lei similar no Texas. No Brasil, temos ações coordenadas pela sociedade civil e empresas. Em uma carta aberta, elas se posicionam sobre questionamentos referentes à segurança das urnas eletrônicas e as ameaças veladas de golpe.
Em outras palavras, empresas devem se preparar para incorporar o advocacy na sua agenda ESG. Esta é uma questão complicada, pois ao contrário das ações tradicionais de ESG, ações de advocacy trazem o risco de retaliação por setores da sociedade contrários ao posicionamento e pelo poder público. Mesmo assim, algumas empresas já abraçaram o ativismo corporativo, entre elas o Magazine Luiza. A empresa tem se posicionado e tomado ações concretas em temas como a violência contra a mulher, o racismo e a agenda LGBTQIA+, entrando para a vanguarda deste movimento no Brasil.
A segunda tendência que toma corpo é o papel dos influenciadores digitais e das celebridades no debate online. Atores, cantores, chefs de cozinha, YouTubers e tantas outras celebridades se tornaram adeptas fiéis ao debate online em torno de políticas públicas. Algumas celebridades defendem uma causa de forma consistente, como a Chef Bela Gil em temas ligados à alimentação saudável, outras atuam esporadicamente, como a cantora Juliette. Elas disseminam campanhas, hashtags e petições ajudando a moldar a visão pública sobre um tema, além de criar uma massa crítica de pessoas a favor ou contra uma proposta de política pública. Exemplo recente foi o tuíte da cantora Juliette pedindo para que seus seguidores apoiassem a derrubada pelo Congresso do veto do Pres. Bolsonaro ao PL 6330 que dá aos pacientes oncológicos acesso imediato aos tratamentos orais de câncer. Foram mais de 38 mil likes e mais de 4 mil compartilhamentos, levando milhares de pessoas a assinarem uma petição no site da change.org. Mas o engajamento de um artista nem sempre é sinônimo de sucesso. Uma campanha sobre o mesmo tema com a participação do Roberto Carlos e Taís Araújo não viralizou.
A terceira tendência vem do mercado. Startups estão atendendo a uma nova demanda: o mapeamento de stakeholders nas redes sociais (inclusive das celebridades e dos influenciadores) e o monitoramento das conversas online, o social listening. É que a força do cidadão stakeholder que assina petições, tuita seu apoio a uma campanha ou envia mensagens à um deputado ficou bem mais óbvia. É o que mostram campanhas como #LeidoRetrocesso, #PLdoVeneno e #PLdaGrilagem, entre tantas outras. Monitorar o debate online passou a ser quase tão importante quanto monitorar o legislativo e o executivo.
A quarta tendência é a reafirmação da força dos gatekeepers tradicionais — o presidente da Câmara ou Senado, de uma comissão ou partido, além dos relatores de um PL — em tempos de lobby digital. São eles que decidem qual matéria irá para o Plenário ou será votada em uma Comissão, como será o voto de uma bancada ou partido ou o teor de um relatório. Veja o caso da MP 910, ou MP da Grilagem. Quando o governo Bolsonaro levou a MP para a Câmara em dezembro de 2019, ONGs mobilizaram a sociedade e conseguiram com que a Câmara deixasse a medida provisória caducar. Na época, quem estava no comando da Câmara era o Deputado Rodrigo Maia. Um ano e pouco depois o governo conseguiu aprovar na Câmara em regime de urgência o PL 2633 de mesmo conteúdo, agora chamado de PL da Grilagem por aqueles contrários ao PL. E desta vez o projeto de lei foi aprovado com ampla maioria, independente das campanhas online contra o projeto de lei. Na Câmara havia um presidente alinhado ao governo. Qualquer que seja o motivo ou motivos, neste caso o presidente da Câmara se mostrou imune à pressão da sociedade, controlando o processo do início ao fim.
Mesmo que estruturas de poder consolidadas há décadas ainda exibem força — como no caso do PL da Grilagem — as redes sociais servem de contra peso e mostram que o debate sobre políticas públicas continua sendo democratizado. Por exemplo, as mídias sociais criaram espaço para que grupos difusos coordenem suas ações tanto no mundo online quanto off-line. É o caso de grupos de entregadores de aplicativo em Nova Iorque e São Paulo. Em Nova Iorque, bloquearam uma proposta de projeto de lei que havia sido negociada entre empresas e sindicatos, e em São Paulo, organizaram paralisações e protestos online que os posicionaram como interlocutores relevantes no debate em torno do marco regulatório para os trabalhadores da economia gig. Entre eles, um dos atores mais proeminentes é o @galodeluta.
Juntas, estas quatro tendências sinalizam o amadurecimento do espaço online como fórum de exposição de ideias, mecanismo de disseminação de informação, ferramenta de coordenação e tática de pressão. Um espaço altamente democrático aberto para qualquer um.