O atual governo, representado pelo Gabinete de Segurança Institucional, vem decretando sigilo a dados diversos nestes quase quatro anos de mandato: reuniões realizadas com pastores e que teriam negociados recursos do Ministério da Educação com os Chefes de Poder Executivo Municipal, o processo administrativo aberto contra o ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello, o cartão de vacinação de Jair Bolsonaro mediante a pandemia do coronavírus, conjuntamente com os registros de visitas ao Palácio no Planalto são apenas alguns exemplos.
Diante dos acontecimentos amplamente divulgados, ocorridos e que tiveram a imposição de segredo de 100 (cem) anos sobre as informações impostas surgem várias dúvidas: como se dá a edição de decretos ligados aos sigilos impostos e realizados pelo governo Bolsonaro? Há a possibilidade de edição de novos documentos que impõem os sigilos?
Nosso país possui uma norma que regula a questão, trazida pelo inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal, qual seja, o direito fundamental de acesso às informações. A norma regula aquelas que são produzidas ou armazenadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A Lei n° 12.527 , de 18 de novembro de 2011, também denominada Lei de Acesso à Informação (LAI), tem como propósito “regulamentar o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas” sendo que em seu artigo 3º prevê que o sigilo é a exceção quando se fala em informações não privadas (de interesse público):
Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:
I – observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;
II – divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;
III – utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;
IV – fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública;
V – desenvolvimento do controle social da administração pública.
Continua o artigo 4º, inciso III a definir que a informação sigilosa como “aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado”. Isso significa dizer, ainda que por óbvio, que a transparência e a publicidade são a regra, sendo que a maior parte das informações – exceto aquelas ligadas a dados pessoais e sigilosos – devem ser divulgadas e amplamente expostas ao acesso de qualquer cidadão.
Ao mesmo tempo, o artigo 24 prevê que a atribuição de grau máximo de segredo a qualquer documento público é restrito ao primeiro escalão do governo, chefes de missões diplomáticas e comandantes militares devendo observar alguns requisitos – ser imprescindível à segurança da sociedade ou do Estado – bem como diferenciar os tipos de informação, seus prazos e traz demais informações relevantes:
Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada.
- 1º Os prazos máximos de restrição de acesso à informação, conforme a classificação prevista no caput, vigoram a partir da data de sua produção e são os seguintes:
I – ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos;
II – secreta: 15 (quinze) anos; e
III – reservada: 5 (cinco) anos.
- 2º As informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.
- 3º Alternativamente aos prazos previstos no § 1º , poderá ser estabelecida como termo final de restrição de acesso a ocorrência de determinado evento, desde que este ocorra antes do transcurso do prazo máximo de classificação.
- 4º Transcorrido o prazo de classificação ou consumado o evento que defina o seu termo final, a informação tornar-se-á, automaticamente, de acesso público.
- 5º Para a classificação da informação em determinado grau de sigilo, deverá ser observado o interesse público da informação e utilizado o critério menos restritivo possível, considerados:
I – a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade e do Estado; e
II – o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento que defina seu termo final.
Assim, de forma simples, “toda classificação deve ser formalizada em uma decisão que contém o assunto sobre o qual versa a informação, os fundamentos da classificação, o prazo de sigilo e a identificação da autoridade que a classificou.”
No caso do presente governo, que recorrentemente atribui sigilo de 100 (cem) anos a inúmeras informações, há um desvirtuamento na legislação que impõe a transparência à administração pública e esconde da população questões relevantes. Isso porque, a(s) atitude(s) ilegal(is) fere(m) o que prevê o artigo 31, §1º inciso I da Lei supramencionada, que estabelece que:
Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.
- 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:
I – terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e (…)
O que significa dizer que são as informações pessoais, é que “terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo” pelo prazo máximo de um século e não as informações que podem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) é que serão classificadas como reservadas e serão “escondidas” da população, uma vez que nesse caso, o sigilo teria que observar o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição e não o prazo de 100 (cem) anos.
Portanto, como citado acima e previsto no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que a normalidade seja a divulgação, não são todas as informações que devem ser expostas. Entretanto, a tática de bloquear o acesso a informações pelo sigilo, instrumento frequentemente usado pelo governo, ainda que seja fundamentada, não encontra qualquer respaldo legal ou constitucional.
Mais informações:
Guia prático da Lei de acesso à Informação
Graduada em Direito e Especialista em Direito Processual Civil e Argumentação Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas, especialidade Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).
Muito esclarecedor! Um artigo como este deveria ser largamente divulgado!