Não foram poucos os que decretaram a morte dos conceitos de direita e esquerda no Brasil e no mundo. Mas será que, depois de mais de dois séculos de uso, essas expressões finalmente perderam o sentido e foram incorporadas ao museu da política? Vamos entender melhor essa discussão.
Surgimento dos conceitos de direita e esquerda
É verdade que a divisão entre esquerda e direita não é algo exatamente novo na História. Como nos explica o cientista político Norberto Bobbio em seu livro clássico Direita e Esquerda, esses dois conceitos “há mais de dois séculos têm sido empregados para designar o contraste entre as ideologias e entre os movimentos em que se divide o universo, eminentemente conflitual, do pensamento e das ações políticas”¹.
Em outras palavras, esses termos foram utilizados em épocas diferentes e em países variados para se referir a disputas políticas próprias de um momento e lugar.
São conceitos excludentes. Afinal, dentro dessa tipologia, não é possível ser de direita e de esquerda ao mesmo tempo.
Danic Parenteau e Ian Parenteau escreveram o livro Les idéologies politiques: Le clivage gauche-droite², cuja edição atualizada foi lançada em 2017, analisa o surgimento dos termos. Segundo os autores, a distinção dicotômica entre esquerda e direita data do final do século XVIII. É no período da França pré-revolucionária que essa divisão aparece na política pela primeira vez.
Durante o verão de 1789, uma assembleia constituinte foi convocada em Paris com o intuito de elaborar a nova Constituição francesa. A diferença entre forças opostas, que representavam ideologias distintas, ficou evidente desde o início. Os termos esquerda e direita surgiram para nomear esses dois polos e se referiam ao lugar que cada um deles ocupava dentro da divisão espacial da sala onde acontecia a Assembleia.
Aqueles que se encontravam à esquerda do presidente da Assembleia queriam controlar o poder do Rei, estabelecendo limites para o seu poder de veto diante do processo legislativo. Nesse grupo, havia mesmo os que questionavam a legitimidade do Rei e traziam ideais republicanos. A esquerda francesa de então tinha o apoio das classes burguesas.
Do outro lado, à direita, estavam os que eram a favor do Rei e da Monarquia, inclusive defendendo o fortalecimento das prerrogativas reais. Essas forças políticas eram vinculadas à aristocracia, que, por sua vez, possuía um vínculo umbilical com as instituições monárquicas.
Direita e esquerda ao longo do tempo
Desde a Revolução Francesa, muito tempo se passou. Novas ideologias surgiram e o mundo modificou-se – costumamos dizer que cada época possui o seu próprio menu de ideias, em torno do qual giram as principais disputas políticas. Ainda assim, continuamos falando de direita e esquerda.
Danic Parenteau e Ian Parenteau defendem que é possível dividir o debate em grandes famílias ideológicas, que estão associadas à esquerda, à direita ou ao centro. São elas:
- O Liberalismo
A influência dessa ideologia se estenderia da centro-direita à centro-esquerda. Para os autores, podemos entender as ideias liberais como uma perspectiva de centro. As variações em torno desse pensamento ocorrem em função de experiências nacionais específicas ou tendências divergentes.
Se as ideologias que dão base à perspectiva liberal são mais progressistas, falamos em “liberalismo progressista”, em “liberalismo social-democrata” ou ainda em “liberalismo social”. Essas alas são identificadas com a esquerda.
De outra forma, se esse liberalismo tem cunho conservador, falamos em liberalismo de direita. O “liberalismo econômico” também é identificado com essa ala.
- O Conservadorismo
O pensamento conservador está sempre associado à direita. Sua influência marca grande parte dos movimentos e grupos que integram essa divisão política, indo da centro-direita à extrema-direita.
Segundo Danic Parenteau e Ian Parenteau, o conservadorismo pode ser interpretado em dois sentidos. No primeiro, pode se referir a uma família de ideologias particulares, enquanto, no segundo, mais amplo, diz respeito a todo o conjunto de ideologias políticas que são identificadas com a direita. Nesse último sentido, o conservadorismo apareceria em oposição ao progressismo.
Dessa forma, o conservadorismo baseia-se em uma ideia de que existe uma ordem por trás da realidade que estrutura o mundo, que garantiria a sua estabilidade e organização. Para os conservadores, essa ordem está sempre ameaçada de desaparecer. O principal objetivo dos programas políticos conservadores é a preservação da ordem constituída contra a ameaça dos “ventos da mudança”.
- O Socialismo e o Comunismo
As ideias socialistas e comunistas compõem o campo ideológico da esquerda. No entanto, há que se ter cuidado com simplificações, pois o campo socialista-comunista é vasto. Incluem-se nele diversos movimentos. Um deles é o sindicalismo revolucionário, fundamentado na mobilização dos trabalhadores dentro da ação política.
Outros exemplos são o marxismo cristão e a teologia de libertação – que combinam elementos da fé cristã com perspectivas teóricas socialistas – e o socialismo democrático, movimento que levou à criação da social-democracia na Europa logo após a Segunda Guerra Mundial.
Sem falar nas correntes que levaram os nomes de seus teóricos, como o Marxismo-Leninismo (Karl Marx e Lenin), o Trotskismo (Leon Trotsky), o Stalinismo (Joseph Stalin) e o Maoísmo (Mao Zedong).
Danic Parenteau e Ian Parenteau defendem que, apesar da identificação de tantos grupos, existiriam dois ramos principais: o socialismo e o comunismo. Segundo os autores, ambos compartilham a mesma visão de mundo, mas possuem estratégias políticas diferentes. Enquanto os socialistas são reformistas, os comunistas seriam revolucionários.
Em outras palavras, enquanto os socialistas são mais moderados, buscando uma transformação gradual das instituições, os comunistas seriam mais radicais, defendendo o desmantelamento de todas as instituições vinculadas ao sistema atual.
- O Anarquismo
O anarquismo está no campo da extrema-esquerda.
As ideologias anarquistas são avessas a autoridades em geral e, principalmente, à organização política fundada pela Era Moderna: o Estado.
Muito próximo às ideologias comunistas, o anarquismo também percebe a existência de um profundo desequilíbrio sistemático na sociedade, entre o que é desfrutado por um pequeno número de pessoas (a classe dominante) e o que corresponde ao restante da população (as classes dominadas). Assim, vê como solução apenas uma mudança radical.
- O Libertarianismo
A ideologia libertária tem como representantes o neoliberalismo e o anarco-capitalismo. Em qualquer caso, o libertarianismo é considerado uma visão de mundo que se manifesta nas alas de direita.
O neoliberalismo é marcado por uma doutrina econômica que enfatiza os ideais de livre comércio e livre concorrência dentro do capitalismo. Defende igualmente um Estado mínimo, já que um Estado mais forte representaria, para essa perspectiva, uma ameaça ao liberalismo econômico.
O anarco-capitalismo, por sua vez, entende a liberdade individual como o propósito final do ser humano e da sociedade. Assim como no neoliberalismo, existe nessa perspectiva uma desconfiança em relação ao Estado e uma profunda defesa da liberdade individual.
De acordo com Danic Parenteau e Ian Parenteau, embora o libertarianismo e o anarquismo sejam percebidos como pertencentes a alas ideológicas opostas – direita e esquerda, respectivamente –, ambos possuem um ponto em comum: uma visão negativa sobre a autoridade política.
Entretanto, a maneira como libertários e anarquistas entendem o mundo é diametralmente oposta. Se o anarquismo se move pela hostilidade ao sistema capitalista e à propriedade privada, o libertarianismo, por sua vez, defende o sistema de livre mercado e a propriedade quase que de forma absoluta.
- O Fascismo
Por último, o fascismo deve ser enquadrado na ala da extrema-direita.
São representantes históricos desse campo ideológico o Partido Nacional Fascista Italiano, que chegou ao poder sob o governo de Benito Mussolini, e o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, liderado por Adolf Hitler.
Muito do que se defende até hoje por grupos fascistas foi pensado e desenvolvido durante essas duas experiências históricas. Por trás do fascismo, está uma ideia de “ordem natural”, a que todos estariam sujeitos e, segundo a qual, o poder na sociedade deveria ser difundido de acordo a hierarquia natural que dirige todas as sociedades.
Para os fascistas, os mais poderosos (fortes) devem ocupar o topo das estruturas políticas e sociais, ao passo que a maioria, mais fraca, deve restringir-se à sua base. São comuns dentro dessa perspectiva os argumentos racistas e visões totalitárias.
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