O processo legislativo é aquele que compreende a elaboração, análise e votação de vários tipos de propostas e cada uma delas segue seu rito próprio. O procedimento de elaboração de normas possui cinco atos que o constituem: a iniciativa legislativa, as emendas, a votação, a sanção e o veto, bem como a promulgação e a publicação.
Um projeto de lei pode ser apresentado por qualquer deputado federal, senador da República, comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional. Pode também ser oferecido pelo Presidente da República, pelo Supremo Tribunal Federal, pelos Tribunais Superiores, pelo Procurador Geral da República ou pelos cidadãos.
Após sua exposição na casa legislativa iniciadora (na maior parte das vezes, na Câmara) o documento é distribuído pelo seu presidente para as comissões temáticas ligadas ao projeto. É escolhido um relator que elabora um parecer e a proposta é analisada, podendo ser alterada e votada pelos parlamentares que a compõem.
Depois de passarem pelas comissões de mérito, obrigatoriamente passam os projetos de lei pelas comissões de admissibilidade – qual seja, a Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Caso considere, que a proposta não pode ser admitida – por questões orçamentárias e/ou por não estar adequada à Constituição Federal de 1988, será arquivada.
Diferentemente do que parece, a maior parte dos projetos que tramitam na Câmara dos Deputados não passam pelo Plenário. Se forem aprovados pelas comissões, vão direto ao Senado Federal ou para a sanção presidencial, caso já tenham passado pela casa revisora. Mas, caso recebam pareceres divergentes nas comissões, vão ser discutidos pelos parlamentares no Plenário.
A votação no Plenário do projeto é necessária a presença de um quórum específico para votar e para aprovação do projeto discutido. Com a sua aprovação, há dois caminhos distintos a serem percorridos:
“a) Se tiver iniciado a tramitação na Câmara, o projeto segue para o Senado, onde será analisado e votado. Se for alterado, volta para a Câmara, que analisa apenas as alterações, podendo mantê-las ou recuperar o texto original. Em seguida, vai para sanção ou veto do presidente da República, que tem prazo de 15 dias úteis para sancionar ou vetar o projeto, no todo ou em partes.
- b) Se tiver vindo do Senado e for aprovado sem alterações, segue para sanção ou veto do presidente da República. Se for alterado, volta para o Senado, que analisa as mudanças da Câmara, podendo mantê-las ou recuperar o texto original. Em seguida, vai para sanção ou veto do presidente da República, que tem prazo de 15 dias úteis para sancionar ou vetar o projeto, no todo ou em partes.”
Em ambas as situações, resta evidente que o Presidente da República possui papel importante. Isso porque, pode sancionar e tornar o projeto em uma norma efetiva, a ser publicada no Diário Oficial da União, ou pode também vetar – parte do projeto ou todo ele.
Caso haja veto parcial, a parte ratificada se torna lei e os vetos retornam ao Congresso Nacional para análise em sessão conjunta. Se mantidos os vetos do Chefe do Poder Executivo, a lei fica como está, mas caso forem derrubados, os trechos passam a integrar o conjunto da lei, sem a necessidade de nova avaliação pelo Presidente.
Assim, entendida a tramitação de uma proposta de lei ordinária, necessário se faz tratar do assunto ligado ao PL de nº 2.108, de 2021, relativa aos crimes contra o Estado Democrático de Direito e ao relevante veto que surge da proposta de lei referida, que recebeu a numeração 046, também de 2021.
O PROJETO DE LEI nº 2.108/2021 E O VETO 046/2021
Segundo o site da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei mencionado, que recebia o nº 2.462/1991 na casa iniciadora, definia os crimes contra o Estado Democrático de Direito e a Humanidade.
Com a finalidade de acrescentar o Título XII na Parte Especial do Código Penal, relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, revogar a Lei de Segurança Nacional, editada no contexto do regime militar, e dispositivos da Lei das Contravenções Penais, a norma foi transformada, após tramitação, na Lei Ordinária nº 14.197/2021.
Tal Lei, que atualmente se encontra no ordenamento jurídico brasileiro, prevê novos crimes à soberania nacional, contra as instituições democráticas, contra o funcionamento delas no processo eleitoral e contra o funcionamento dos serviços essenciais. Ocorre que, o projeto de lei proposto em 1991 recebido pela casa revisora – o Senado Federal – no ano de 2021 não foi aprovado em sua totalidade pelo Presidente Jair Bolsonaro, uma vez que foram vetados oito dispositivos e que deram origem ao assunto discutido na Sessão Conjunta.
Como se sabe, o veto é a não concordância do Chefe do Poder Executivo em determinado projeto de lei já previamente aprovado pelas casas legislativas. Previsto na Constituição Federal de 1988 pelo artigo 66, o veto pode ser classificado como político (quando a matéria é considerada contrária ao interesse público), jurídico (se entendida como inconstitucional), ou ambos (inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público).
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
- 1º – Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
- 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
- 3º Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.
- 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.
- 5º Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.
- 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.
- 7º Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.
De outra forma, pode o veto ser classificado como total ou parcial, ainda que sempre expresso e motivado. Quando parcial, deve recair sobre texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, não podendo se falar em veto de palavras ou períodos.
Sobre o Veto Parcial de nº 046/2021, ligado a norma atualmente vigente e sancionada em setembro de 2021, é importante mencionar que os dispositivos não aprovados pelo Chefe do Poder Executivo Federal estão, em apertada síntese, ligados à tipificação de condutas delitivas contra o Estado Democrático de Direito, à cidadania e ao funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral. São eles, os crimes:
- de comunicação enganosa em massa, conhecidos popularmente como fake news;
- de atentado ao direito de manifestação;
- cometidos por militares;
- e por funcionários públicos.
Também foi vetado o artigo que admitia a competência de partido político com representação no Congresso Nacional para propor ação para os crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral, caso o Ministério Público não atuasse no prazo estabelecido em lei.
Sobre a questão, a razão presidencial trazida em todos os dispositivos não aceitos e constantes do Veto Parcial de nº 046/2021 se fundamentam no fato de que a proposição legislativa contraria o interesse público, ou seja, tratam de veto classificado como político.
Portanto, vale ressaltar a importância de uma ampla discussão entre os parlamentares sobre os motivos que levaram aos vetos supramencionados à Lei nº 14.197/2021, conjuntamente com a sociedade acerca do tema, uma vez que a população, as entidades, os órgãos públicos e até mesmo os entes federativos são afetados pelas condutas que impactam a soberania nacional, as instituições democráticas, o processo eleitoral e o funcionamento dos serviços essenciais.
Assim, para que assim possam ser tomadas decisões sobre a questão, devem também ser levado em conta o que prevê o ordenamento jurídico brasileiro, o Código Penal e as normas infraconstitucionais penais, especialmente pois a tipificação de novos crimes é tema de vinho jurídico que influenciará a vida dos cidadãos, o Estado e a sociedade brasileira como um todo.
Mais informações:
Entenda o processo legislativo
Graduada em Direito e Especialista em Direito Processual Civil e Argumentação Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas, especialidade Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).