Passados quase oitenta anos do fim da Segunda Guerra Mundial e mais de trinta anos do término da Guerra Fria, pode-se dizer que o mundo não se envolveu em conflitos generalizados. Eventualmente, ocorrem embates restritos a localidades específicas e que não envolvem vários países. Apesar disso, efeitos negativos desses conflitos são sentidos em grande escala por todo o globo, portanto, é possível dizer que todas as novas guerras são mundiais.
Atualmente, o que amplia esses efeitos negativos não são mais as grandes destruições ocasionadas por armas atômicas ou químicas, mas um fator presente do cotidiano das pessoas, a economia.
O estágio em que o capitalismo se encontra nos dias de hoje permite que todas as economias dos países estejam interligadas, a ponto de que uma ligeira mudança no cenário geopolítico acaba provocando um grande impacto mundial.
Segundo o economista Christian Marazzi, a sociedade se encontra no chamado pós-fordismo, período em que deixam de vigorar as linhas de montagem nas fábricas e passou-se a inserir a comunicação à produção por meio da linguagem, de modo que os bens agora são fabricados não mais em grande escala, mas de acordo com a demanda dos próprios consumidores.
Mas o que isto tem a ver com o contexto das guerras atuais? Tem tudo a ver, pois essa nova economia emergiu graças à globalização, à produção descentralizada e desenvolvida com base na comunicação. Isto é, a economia mundial gira em torno do gerenciamento de informações, o qual insere os países em um sistema de interdependência econômica. Não é mais possível um capitalismo de um só país, é necessário que todas as nações participem, suprindo mutuamente as suas demandas relativas à produção.
Sendo assim, a ocorrência de conflitos localizados em qualquer parte do mundo acaba por afetar não somente a região onde acontece a disputa, mas boa parte do mundo, visto que, os danos causados a setores restritos do mercado provocam um “efeito cascata” na economia global.
Um exemplo disso é a própria guerra que vem ocorrendo na Ucrânia. Trata-se de um conflito que se restringe a um país e envolve somente duas nações diretamente (Ucrânia e Rússia), todavia seus desdobramentos ecoam por toda a economia mundial.
Mesmo que nenhuma bomba tenha atingido outros países, as incertezas geradas pela guerra desestabilizam as bolsas de valores de boa parte deles. Não só isso, o próprio conflito interrompe a dinâmica produtiva, pois ambas as nações exercem papéis tanto de produtoras como de compradoras em uma estrutura global de mercado e qualquer obstáculo no desempenho desses papéis repercute nas demais economias do mundo.
Analisando de um ponto de vista prático, a Rússia é uma das maiores produtoras de petróleo do mundo e é a maior fornecedora de gás natural da Europa. Ao se envolver num conflito com a Ucrânia, ela pode afetar todo o mercado mundial de petróleo e interromper parte do fornecimento de gás para a Europa. Para mais, os efeitos extrapolam os dois recursos mencionados e atingem todos os produtos que dependem deles para serem fabricados ou transportados, de modo que a guerra restrita ao território da Ucrânia tem um impacto mundial.
Em vista disso, outros países não inseridos inicialmente no conflito acabam tendo que se envolver mesmo que indiretamente para conter os ânimos para tentar estabilizar novamente o sistema produtivo e um dos meios para isso é aplicar sanções econômicas a quem se entende que seja o causador do confronto.
As sanções econômicas aplicadas, por sua vez, impactam não só o país que se busca penalizar (Rússia), mas toda a economia mundial, que segue interligada mesmo durante a guerra.
Portanto, de maneira sucinta, todos acabam afetados pela guerra, ainda que não envolvidos diretamente com o conflito, isto porque as economias dos países são interdependentes e qualquer embate local termina por impactar o mundo inteiro.
Historiador e Graduando em Ciência Política pela Universidade de Brasília