Texto por: Ana Luíza Matos de Oliveira – Economista, Doutora em Desenvolvimento Econômico. Professora Visitante da FLACSO – Brasil.
A discussão sobre mercado de trabalho muitas vezes se centra na taxa de desocupação, que é o percentual de pessoas desocupadas em relação às pessoas na força de trabalho. Para ser considerada desocupada, a pessoa precisa estar ativamente buscando emprego. Em um país como o Brasil, com alto desalento (caso em que a pessoa desiste de procurar emprego) e altíssima precariedade, olhar somente para a taxa de desocupação para analisar o mercado de trabalho não mostra um quadro completo: é importante, para ter uma visão mais abrangente, analisar a chamada subutilização.
E o que é a subutilização? Ela se refere ao percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial. Somando este grupo e dividindo pela força de trabalho ampliada, chega-se à taxa composta de subutilização da força de trabalho.
O Gráfico 1 compara as duas taxas para o Brasil de 2012 a 2021. Os “picos” nos primeiros trimestres se devem às demissões no final do ano, com o fim do período de festas, uma dinâmica normal do mercado de trabalho brasileiro.
Gráfico 1 – Taxa de desocupação e taxa de subutilização da força de trabalho, Brasil (2012 – 2021)
Fonte: PNAD Contínua Trimestral, IBGE
Percebe-se, pelo gráfico, que a taxa de subutilização, por somar às pessoas desocupadas também as subocupadas e na força de trabalho potencial, por definição fica acima da taxa de desocupação. Percebe-se também que até o início de 2015 ambas vinham em queda e este quadro é revertido no início de 2015, o que coincide com a brusca virada da política econômica a partir do segundo governo Dilma Rousseff, com a adoção da austeridade fiscal (aprofundada durante o governo Temer e em voga até hoje), como analisamos aqui.
No final de 2017, em novembro precisamente, entra em vigor a reforma trabalhista, que rebaixa o conceito de trabalho formal. Esta, diziam seus defensores, geraria 6 milhões de empregos. O país passa a considerar como trabalho formal, por exemplo, o trabalho intermitente, em que não há garantia de horas trabalhadas na semana ou no mês, e consequentemente não há previsibilidade de salário e de outros direitos. A partir desta reforma, a taxa de desocupação cai muito ligeiramente (de 11.8% no 4º Trimestre de 2017 até 11% no 4º Trimestre de 2019), mas grande parte desta queda se deve a uma ampliação da informalidade, ou seja, com piora das condições de trabalho. Assim, nem com o rebaixamento do que se considera trabalho formal conseguimos gerar empregos de qualidade e retomar os números de 2012, 13 e 14. Já a taxa de subutilização se mantém relativamente estável do 4º Trimestre de 2017 até o 4º Trimestre de 2019, mas em um patamar muito alto, chegando a 25% ou ¼ da força de trabalho.
Neste quadro de fragilidade do mercado de trabalho chegamos à crise da Covid-19, que começa a ser sentida no final de 2019, com paralizações na China e posteriormente na Europa, mas que eventualmente chega ao Brasil e leva a severas paralizações na atividade econômica, em especial no setor informal. Caso tivéssemos feito um lockdown coordenado, a partir de dados de transmissão do vírus, o impacto econômico poderia ter sido minimizado. Mas vamos ao que efetivamente ocorreu: no gráfico, percebe-se um aumento muito mais acentuado da taxa de subutilização do que da taxa de desocupação. Isto ocorre pois naquele período muitos trabalhadores desistiram de procurar emprego (assim parando de contar para a estimativa de desocupação) por estar tudo paralisado e não verem possibilidades de se empregarem naquele momento; ou precisaram ficar em casa para cuidar de dependentes (caso que, mostram os dados, muito atinge as mulheres) ou por medo do vírus etc. E assim, ao longo de 2020 e no que já tivemos de 2021, ambas as taxas “estacionaram” em valores altíssimos, a taxa de desocupação chegando a 14,6% e a de subutilização a 30%. O crescimento da pobreza e da fome vão no mesmo sentido. É isso o que chamam de o “novo normal”? Vamos nos acostumar, enquanto nação, às filas para recolher doação de osso?
Desde 2015, viemos nos acostumando a ouvir a todo momento que a saída para a geração de emprego é a precarização e a perda de direitos (seja com reformas, seja com trabalho via aplicativos…). Esta é a justificativa para que aceitemos cada vez mais reformas que reduzam a capacidade do Estado brasileiro de combater desigualdades. Até quando o país insistirá no mantra das reformas, que, como mostra o gráfico, não é capaz de incluir uma parte sua população apta a trabalhar? E se motivos humanitários não sensibilizam, pergunto: Qual é o potencial econômico perdido? Com os jovens que tem optado cada vez mais sair do país, se podem?
Também desde 2015, o país insiste em um modelo de crescimento “em K”, em que os mais pobres perdem mais e os mais ricos ganham mais. Um modelo de crescimento concentrador. A pandemia exacerbou este movimento, com a destruição do mercado informal e com aqueles que possuíam algum tipo de poupança (ou, ao menos, condições dignas de viver e fazer isolamento social) saindo na dianteira. Desocupados, hoje, são em torno de 14,4 milhões; subutilizados, 32 milhões. Qual é o plano para inclui-los? Estes milhões de brasileiros seguem sem resposta. Como mostra o gráfico, retirar os direitos dos outros brasileiros, às duras penas ocupados, não é a solução.