Ana Luíza Matos de Oliveira – Economista, Doutora em Desenvolvimento Econômico. Professora Visitante da FLACSO – Brasil
Pensar e repensar o paradigma de desenvolvimento é necessário à direita e à esquerda, ainda mais em um momento em que o Brasil precisa se reinventar no cenário mundial quanto à questão do meio ambiente. Mais do que uma questão de postura ou de discurso somente, é preciso uma ação de acordo com a Agenda 2030 das Nações Unidas e com o desenvolvimento sustentável. E para esta transição para uma economia de baixo carbono, a cultura certamente é um setor muito promissor, no qual devemos e podemos investir. Este tema foi objeto de debate de uma mesa de seminário sobre cultura e democracia, organizado pela Friedrich Ebert Stiftung Brasil, pela Fundação Perseu Abramo e pelo Instituto Cultura e Democracia, disponível aqui.
Há muito espaço para o investimento público (hoje considerado quase um palavrão), pois há ainda muitas vulnerabilidades a se solucionar no Brasil e na América Latina. Nossa região vive, há décadas, uma grande pressão para a redução do gasto público na questão social. Esta redução é vista como uma forma de ampliar a eficiência e abrir espaço para o setor privado. Porém, se os resultados positivos desta pressão e deste subinvestimento ainda não apareceram, o que temos sim de concreto é que na região a questão social se mantivesse cronicamente subfinanciada. E, com isso, obviamente, a qualidade de vida da população é negativamente afetada.
No capítulo 20 do livro Economia pós-pandemia: desmontando os mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico, discutimos propostas de desenvolvimento para o Brasil. As propostas partem deste diagnóstico da vulnerabilidade estrutural brasileira, devido a estes anos de desfinanciamento da questão social, que se agravam no caso do Brasil com a austeridade, mais recentemente (como já discuti aqui). No capítulo, discute-se um modelo de desenvolvimento movido por dois motores principais: i) a distribuição de renda e a inclusão social; e ii) a expansão da infraestrutura social. Além dos dois motores do crescimento, outra característica central da proposta é a ideia de política pública orientada por missões socioambientais, que apontam para as finalidades do processo de desenvolvimento e para a solução de problemas e gargalos históricos da sociedade brasileira como a mobilidade urbana, saúde, educação etc, mas também para uma nova lógica de organização do planejamento econômico.
Voltando à questão da cultura, é possível pensar nela também como um eixo importante de desenvolvimento no Brasil, capaz de gerar distribuição de renda e inclusão, além de gerar uma expansão da infraestrutura social.
Um exemplo de investimento na cultura vem da Coreia do Sul. Nos anos 90, em meio à crise, o governo Sul Coreano decidiu usar a música para melhorar sua imagem, construir sua influência cultural e desenvolver esta indústria. Houve investimento massivo em setores da cultura e do entretenimento, levando a cultura coreana hoje a todo o mundo. Hoje somos invadidos pela onda coreana, chamada hallyu, e seus efeitos transbordam para o turismo, para a indústria etc.
Se o Brasil se propusesse a fazer o mesmo por aqui, nosso potencial é ilimitado. Nossa riqueza cultural, na arte, na dança, na música, nas artes marciais, no cinema, teriam tudo para conquistar o mundo. Aí ao invés de termos uma fuga de cérebros, que também ocorre no meio cultural, pois aqui a vida para o artista é muito difícil, poderíamos aproveitar as nossas enormes potencialidades para pensar um modelo de desenvolvimento com mão de obra especializada, qualificada e de baixo carbono.
Obviamente, a organização de tais missões para a área da cultura precisa ser feita com democracia e com participação popular, pois um modelo autoritário e centralizado subverteria o sentido de ser da proposta. Somente com um modelo anti-autoritário e anti-austeridade é possível colocar em prática esta proposta.