O Senado Federal foi a primeira casa Legislativa no mundo a instituir o Sistema de Deliberação Remota (SDR). Três dias depois a Câmara dos Deputados seguiu pelo mesmo caminho e igualmente criou o seu sistema. Na teoria o novo sistema permitiria que as casas votassem matérias importantes durante a quarentena para que o país continuasse girando e superasse mais rapidamente a crise da Covid-19. Na prática, por ter aberto a porteira para votação relâmpago, o SDR tem viabilizado a votação de várias propostas sem relação clara com a pandemia.
Se por um lado, as principais alterações legais em resposta aos efeitos da pandemia só foram possíveis por conta da continuidade dos trabalhos no Legislativo. O orçamento de guerra (PEC 10/2020), o auxílio emergencial (PL 873/2020), o socorro aos estados (PLP 39/2020) e o programa de apoio às micro e pequenas empresas – Pronampe (PL 1282/2020) são exemplo que contaram com grande envolvimento dos parlamentares e são instrumentos importantes na busca por diminuir os impactos da pandemia aqui no Brasil.
Por outro lado, uma vez que os prazos de tramitação foram drasticamente encurtados e o acesso aos legisladores passou a ser exclusivamente por forma virtual, uma série de outros temas não derivados da pandemia estão sendo aprovadas no melhor estilo brasileiro do “onde passa um boi passa a boiada”. Convenções e termos de cooperação internacionais, inclusão de data comemorativa em calendário nacional e alteração no Estatuto da Juventude são alguns exemplos de votações que facilmente poderiam aguardar o pós-pandemia.
Desde o início do mês de março, que marca o isolamento em alguns estados, o Plenário da Câmara aprovou pelo menos 22 propostas entre PL, PLP, PEC, MPV, PDL e outros instrumentos. Por sua vez, o Senado também aprovou mais de 30 propostas no período.
Os números mostram que o Legislativo por um lado cumpriu com o seu dever constitucional de legislar mesmo durante a crise, agindo rápido e construindo alternativas contudo, parece que alguns parlamentares continuam sendo pautado pelo modelo eleitoral da quantidade em detrimento da qualidade legislativa.
A participação social na construção e na tomada de decisão política é fundamental para a democracia. Sem o devido monitoramento e mediação, a sociedade civil organizada deixa de ser protagonista e passa a ser coadjuvante do seu destino. Além disso, a política pública pensada no conforto de um ar condicionado não conseguirá, na maioria dos casos, atender àqueles que dependem de sua implementação. Sim, o mundo teórico é bem diferente do mundo real.
Passados mais de dois meses desde a instalação do isolamento e de intensas deliberações, não seria um bom momento para o Congresso Nacional se voltar para a sua outra atribuição igualmente importante e constitucional, a atribuição de fiscalizar?
Parece latente a necessidade do acompanhamento e da fiscalização do Poder Público para o devido cumprimento de tudo daquilo que já aprovado pelos congressistas.
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JRM.