É inegável que o impacto econômico causado pela crise do novo coronavírus (Sars-Cov-2) será profundo e sem precedente histórico. Em artigo anterior, publicado aqui na Metapolítica¹, pude expor alguns dos desafios e indicadores econômicos que, naquela data, 6 de abril, já começavam a dar uma ideia do tamanho da crise. Em pouco mais de um mês desde aquela última publicação, o dólar comercial avançou para o patamar de R$ 5,86 e as projeções de recessão do PIB, tanto do Brasil quanto do mundo, parecem ter se consolidado os prognósticos de -3% e -5,3% respectivamente, ainda que incertezas a longo prazo em relação à duração e à expansão geográfica da Covid-19 persistam.
Dado o cenário, como a crise do novo coronavírus tem impactado a balança comercial brasileira nestes três meses de pandemia? Curiosamente, apesar das indicações de corrosão econômica, a balança comercial brasileira, considerando os dados até o mês de abril, é superavitária e se manteve num patamar de estabilidade em relação ao comparativo do mesmo período em 2019. Quais seriam, portanto, as razões para este fenômeno?
Apenas para ilustrar como o caso brasileiro parece estar fora da curva de normalidade nesse semestre, em artigo publicado no portal do Fórum Econômico Mundial² (World Economic Forum), foram apresentadas as projeções da Organização Mundial do Comércio (World Trade Organization) para as transações de comércio global. Em cenário otimista, a retração projetada no referido artigo é da ordem de 13%, já em cenário pessimista, a retração do comércio global é projetada em 32%.
Sendo mais específico com relação aos indicadores positivos da balança comercial brasileira entre os meses de janeiro e abril, pode-se destacar: a) o superávit da ordem de 11,8 bilhões de dólares; b) a leve queda de 0,4% das importações em comparação com o mesmo período em 2019; c) a retração de apenas 4,4% das exportações em comparação ao mesmo período em 2019, distante da média global do cenário otimista projetada pela OMC, que aponta para uma retração de 13%.
O fenômeno aqui apresentado ganha maior clareza em seus fundamentos quando destacamos a segmentação das exportações brasileiras. De acordo com dados do Ministério da Economia, apesar das exportações para a América do Norte e Europa, que se apresentaram como principais focos da pandemia no período aqui considerado, terem caído 18,5% e 3,5% respectivamente, as exportações para a Ásia ganharam maior impulsão, representando um avanço de 15,5%. A China, sozinha, depois de perpassado o período mais crítico da pandemia, representou 11,3% dessa expansão.
Ao que tudo indica, diante das dificuldades de alguns de seus competidores diretos, o Brasil conseguiu emplacar consistentemente um maior volume de exportações nesse início de ano. A desvalorização da moeda nacional, que chegou ao incrível patamar de R$ 5,86 em paridade com U$ 1,00, também contribuiu para a manutenção deste cenário em meio à crise. Está muito mais barato comprar do Brasil.
Das exportações realizadas no período, destacaram-se artigos agropecuários como soja (17%) e artigos da indústria extrativa, como óleos brutos de petróleo (12%) e minério de ferro (9,2%). Esses dois setores, ao todo, representaram 38,2% do volume transacionado para o exterior.
No quesito importações, artigos da indústria de transformação dominaram as transações nacionais; destacam-se: a) óleos combustíveis de petróleo (6,1%); b) plataformas, embarcações e estruturas flutuantes (4,4%); c) equipamentos de telecomunicações (3,8%); d) adubos ou fertilizantes químicos (3,8%).
Ainda que o cenário aqui evidenciado seja animador, a manutenção do dólar em patamar tão alto pode ocasionar algumas distorções a futuro. A primeira dessas distorções, de caráter mais simbólico, se manifestou recentemente, quando empresas norte-americanas do setor de tecnologia alcançaram, em valor de mercado, o correspondente em dólar a todo o PIB brasileiro em 2019³.
De modo mais objetivo, uma outra distorção que pode insurgir no médio prazo à realidade brasileira, caso a profunda desvalorização do real se mantenha, está na possibilidade de uma alta inflacionária num momento de recessão econômica. Ainda que muito se discuta quanto à impossibilidade de uma alta inflacionária em pleno período de deterioração da capacidade de consumo das famílias brasileiras, o alerta que faço, entretanto, é o de que a inflação não está assentada necessariamente no consumo, mas sim nos custos produtivos.
Olhemos atentamente as características de nossa balança comercial. Mesmo possuindo o agronegócio mais pujante do planeta, o Brasil ainda está preso à importação massiva dos insumos para o setor. Sinais de um país que há muito tempo deixou de projetar a longo prazo suas cadeias produtivas, sua indústria e sua infraestrutura. O significado disso em plena crise mundial? A possibilidade do encarecimento dos insumos de produção importados a um ponto que inviabilize a balança comercial positiva que se experimenta neste momento.
Vendemos soja, mas compramos fertilizantes químicos; vendemos minério de ferro, mas compramos equipamentos de comunicação e eletroeletrônicos; vendemos petróleo bruto, mas compramos o mesmo óleo refinado. A tendência é a de que a conta não feche.
Em resumo, o saldo da crise da COVID-19 ainda não se refletiu na balança comercial brasileira, mas este cenário parece ter um prazo de validade. As questões estruturais, os gargalos de infraestrutura e a falta de um projeto articulado das cadeias produtivas nacionais, caso permaneçam como estão e caso a pandemia se intensifique, poderão se traduzir num cenário econômico caótico mais à frente.
REFERÊNCIAS:
¹https://www.metapolitica.com.br/post/desafios-economicos-do-brasil-em-2020
_____________________
Arthur Ives
Integrante da Metapolítica, bacharel e mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), atualmente é doutorando em Sociologia Política por essa mesma instituição. Atua no monitoramento e na formulação de estratégias de atuação junto ao Poder Legislativo.