Neste mês, a Câmara aprovou o texto-base da medida provisória que autoriza a realização dos chamados telejogos em canais da TV aberta (MP 923/2020) . Os deputados estenderam a liberação a emissoras de rádio e organizações da sociedade civil, que poderão, com a aprovação da medida, sortear prêmios, distribuir brindes e realizar concursos premiados por meio de sites e aplicativos.
Conhecidas como telejogos, ações de marketing com premiações a participantes e espectadores eram comuns na televisão brasileira há não muito tempo, mas foram proibidas em 1998 por decisão da Justiça. Inclusive, é provável que a imagem deste artigo e umas poucas repetições do prefixo “tele-tele-tele” ao longo do texto sejam suficientes para despertar na memória do leitor a lembrança de um jingle possivelmente adormecido, digno representante deste tema. Um caminho sem volta.
Embora a legalidade da Tele Sena (peço desculpas) tenha sido questionada judicialmente inúmeras vezes desde sua criação¹, em 1991, o jogo ainda existe. E os sorteios acontecem na TV – a de Silvio Santos, mais precisamente. Grupo Sílvio Santos, aliás, é também o selo da empresa Liderança, comercializadora do título de capitalização Tele Sena e anunciante de peso do SBT.
Se antes havia riscos para a Tele Sena, Silvio Santos pode respirar aliviado com a tramitação da MP 923. É o “fôlego” que empresas como o SBT precisavam para ter “mais recursos para respirar neste momento tão difícil de pandemia”. Só no primeiro semestre de 2019, a emissora recebeu R$ 6,6 milhões em verbas públicas de publicidade do governo. Entre os grandes canais da TV aberta, ficou atrás apenas da Record, com R$ 6,8 milhões em contratos. Juntos, os valores superam o montante recebido pela Globo (R$ 2,6 milhões) no mesmo período. Conforme análise do TCU², uma das razões para o maior investimento nas duas emissoras foi a publicidade pela Reforma da Previdência.
De acordo com o texto aprovado, caberá ao Ministério da Economia fiscalizar e autorizar sorteios com valor superior a R$ 10 mil mensais. Brindes e sorteios de menor valor poderão ser realizados livremente, sem a anuência do governo.
“Mas nem tudo pode”, eles disseram. A medida proíbe ações que configurem jogo de azar ou bingo, além da distribuição ou conversão dos prêmios em dinheiro. Mas, sem entrar na discussão sobre a legalização dos jogos de azar, um jogo como a Tele Sena (meu exemplo favorito) é o quê?
Pelo momento em que se apresenta e as prioridades impostas pela pandemia, essa proposta não só não ajuda (mas depende de quem), como também atrapalha. O Plenário da Câmara rejeitou destaque do PCdoB que proibia telejogos direcionados a crianças e adolescentes. O debate sobre a publicidade infantil movimenta há anos o mercado, entidades representativas e o próprio Legislativo; envolve questões sensíveis como consumo, comportamento e vulnerabilidade social. E foi atropelado por uma medida, no mínimo, inoportuna, levando junto a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que, em 2014³, classificou como abusiva a publicidade infantil com “VIII – promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e IX – promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil”.
________________________________________
¹ Ricardo Feltrin. Pandemia: Pela 1ª vez, Silvio Santos adia Sorteio da Telesena. Uol. 02 de maio de 2020.
² TCU. Instrução de Análise de Diligências. Publicado por Poder360.
³ Resolução nº 163 de 13 de março de 2014.
________________________________________
Naiara Marques de Albuquerque
Integrante da Metapolítica, mestre em Comunicação Institucional e Política pela Universidade de Servilha (Espanha), jornalista pela UnB.