Com o uso de mensagens automatizadas, contas falsas e robôs, grupos politicamente engajados na internet deixam rastros cada vez mais claros e facilmente detectáveis pela mesma tecnologia de que se servem para mobilizar massas e causar impacto.
Um novo agente de investigação internacional tem dedurado as ações não tão orgânicas desses grupos no Twitter, dentre os quais sobressaem os atuantes apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Com alcance global da rede, o Bot Sentinel expõe a operação de robôs nos assuntos mais comentados do momento. As notificações no perfil são produto de um sistema automatizado que monitora a participação de contas não autênticas nas tags de destaque.
Mapeando os temas mais citados, o Bot Sentinel produz estatísticas acerca da atividade de perfis suspeitos, geradas por um sistema de inteligência artificial que coleta e classifica publicações.
Em 27 de abril, o Brasil superou pela primeira vez os Estados Unidos na liderança do ranking com a hashtag #MaiaTemQueCair, ostentando o primeiro lugar entre os 20 tweets mais replicados por perfis falsos, seguido de #Trump2020 e #MaiaVaiCair. Nesse mesmo dia, o STF autorizou a abertura de inquérito para apurar as acusações o ex-ministro Sergio Moro contra Jair Bolsonaro. Questionado sobre as consequências institucionais da investigação, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), evitou comentar a possibilidade de impeachment:
“Quando se trata de um tema sobre o impeachment, eu sou o juiz. Não posso ficar comentado temas em que a decisão é minha, de forma independente. Então, é uma questão que a gente tem de tomar muito cuidado”, ponderou.
O criador da plataforma, Christopher Bouzy, reportou:
“Estamos testando nosso novo algoritmo de rastreamento para monitorar hashtags e frases publicadas por contas não autênticas e há uma atividade significativa com hashtags e frases relacionadas ao Brasil. Esta é a primeira vez que uma hashtag fora dos Estados Unidos chega ao topo da lista”.
Maia e Congresso, Supremo e ministros haviam sido os principais alvos de manifestações em apoio a Bolsonaro no dia anterior, um domingo, 26 de abril.
Desde então, o monitor registrou reiteradas vezes campanhas de apoio ao presidente inchadas por robôs. As mensagens abusam da simplificação narrativa e do uso do inimigo único da vez, métodos descritos pelo francês Jean-Marie Domenach no pós 2ª Guerra como uma das regras da propaganda política que marcaram a linguagem dos grandes conflitos do século XX.
Além da inovação que representa per se, enquanto estratégia, a comunicação política nas mídias sociais implica em novos meios de decifrar narrativas. Seguindo as pegadas dos robôs, a interpretação do discurso e a identificação do inimigo são imediatas. Vejamos os rastros.
Convém lembrar que a função de perfis ou mensagens falsos é viralizar discursos criados por gente de verdade, que mobilizam gente de verdade. Esse método, como vemos, é permanente, e não pontual. Ainda não se sabe se ele garante presidências, mas garante campanhas, e nutre um sólido exército de apoiadores que se apropriou das redes como nenhum outro.
Agora que depende de relações políticas reais, embora questionáveis e contraditórias, para garantir a própria sobrevivência – quando já contabiliza um bocado de desertores na lista de inimigos – o governo conta mais do que nunca com a base mais aguerrida para conservar sua popularidade. Essa urgência tem tornado ainda mais explícitas as estratégias discursivas e os alvos do bolsonarismo.
E se as perdas recentes levaram junto alguns soldados, no mundo virtual eles não fazem falta.
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Naiara Marques de Albuquerque
Integrante da Metapolítica, mestre em Comunicação Institucional e Política pela Universidade de Servilha (Espanha), jornalista pela UnB.