O setor mais produtivo do país, responsável por cerca de 21% no PIB brasileiro, também é um dos que mais capta pessoas para trabalhar em regime que se assemelha à escravidão. Não estamos entrando em um túnel do tempo e voltando 132 anos atrás, estamos falando do agora.
Espalhados por todo o país, os meeiros, pessoas que trabalham em troca de moradia e dividem os lucros da produção ao “meio” com os proprietários das moradias em que vivem, são hoje uma parcela dos trabalhadores explorados no campo. Cumpre destacar também os boias-frias, que, embora a atividade esteja em declínio no Brasil por conta da mecanização do campo, eles ainda representam uma fatia do que conhecemos por escravidão contemporânea.
A escravidão contemporânea é o trabalho forçado que direta ou indiretamente envolve a restrição de liberdade do trabalhador, geralmente o seu trabalho não gera resultados compatíveis com a sua produção ou ele nem recebe por trabalhar. No caso dos meeiros, por exemplo, eles devem dividir 50% da produção com o proprietário da terra, mas, em contrapartida, ainda ocorrem a cobrança de valores sobre a moradia e a imposição de “dívidas fantasmas”. Vale ressaltar que a prática de troca de serviço por moradia é ilegal e, nos casos em que esse benefício é oferecido, o valor cobrado sobre a propriedade não pode ultrapassar 25% do salário do indivíduo.
Em 2005 a OIT (Organização Internacional do Trabalho) estimava que no Brasil existiam cerca de 25 mil pessoas em situação análoga à escravidão. Dessas, 80% atuavam na agricultura e 17% na pesca. Mas estes números pareciam estar subestimados, já que, de 2003 a 2010, foram resgatados 31.297 pessoas, segundo dados do extinto Ministério do Trabalho e Emprego.
A maneira encontrada por empresários rurais e proprietários de pequenas e médias fazendas que buscam reduzir o preço final de seus produtos foi justamente reduzir o custo-trabalho, ou seja, comprometer a mão-de-obra para que seus lucros sejam rápidos e exponenciais. No século 21, não se amarram escravos o os submetem a chibatas, mas aproveita-se da situação de fome e miséria para obter lucros.
O Código Penal brasileiro, no artigo 149, define como crime a redução de alguém à escravidão, “quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”, com pena de “reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência”.
Em 2015 a Revista Brasileiros publicou uma matéria em que trazia dados de como estava a situação no país sobre esse assunto. Naquele ano o resultado era de que Minas Gerais estava em primeiro lugar entre os estados que mais tiveram pessoas libertadas de trabalhos considerados exploratórios e indignos. Ao total, nesse estado foram resgatados 148 trabalhadores, seguido por Maranhão (107), Rio de Janeiro (73) e Ceará (70). No Ceará, a maior parte dos trabalhadores resgatados eram das atividades predominantes do Agro, sendo 15,18% da agricultura e 14,29 % da pesca.
No entanto, a partir de 2014, o MTPS (Ministério do Trabalho e Previdência Social) identificou que o cenário estava mudando e a quantidade de pessoas resgatadas se concentrou na área urbana. Em 2015, 61% do casos se concentraram no meio urbano contra 39% do meio rural. Esses resultados mostram um grande declínio em um espaço de tempo de 10 anos, se comparado ao estudo da OIT de 2005, de acordo com o qual, dos 25 mil trabalhadores estimados, 80% atuavam na agricultura e 17% na pesca.
Nos últimos anos, não houve pesquisas relevantes sobre como o trabalhador rural tem sido tratado, como o campo está lidando com a contratação e principalmente como está ocorrendo a erradicação do trabalho escravo nas grandes lavouras. Não temos dados consistentes do Ministério da Economia (que substituiu o Ministério do Trabalho) nem ampla divulgação de medidas de combate ao trabalho escravo. Por outro lado, os auditores-fiscais do trabalho têm se queixado da fiscalização precária por falta de subsídio do governo, principalmente no interior do país.
O povo do campo precisa dos olhares do Estado, são pessoas que se submetem a situações de verdadeira degradação humana e que lhe expõe a perigos explícitos. A escravidão contemporânea se diferencia do modelo tradicional de escravidão, mas sua essência de explorar continua a mesma.
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Guilherme Barros
Integrante da Metapolítica, graduando em Gestão de Agronegócios.
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