Definida como uma das principais agendas econômicas para 2020, a Reforma Tributária tem se assentado na promessa de simplificação e modernização do sistema tributário brasileiro.
Apesar de ser tratada no singular, existem atualmente pelo menos 3 propostas legislativas tramitando paralelamente no parlamento brasileiro objetivando regular a temática, são elas: a PEC 45/2019 (Câmara dos Deputados); a PEC 110/2019 (Senado Federal) e o PL 3887/2020 (Câmara dos Deputados).
A intenção dos parlamentares é a de que, no âmbito da Comissão Mista da Reforma Tributária, seja formulado um texto unificado das 3 propostas. Nesse sentido, o esforço político promete ser muito grande para dirimir dissensos e resistências em relação ao texto.
Um dos pontos que promete mobilizar discussões mais acaloradas é exatamente o do possível retorno da tributação sobre lucros e dividendos empresariais. Mas afinal, como essa temática está sendo elencada na Reforma Tributária?
Para melhor compreender essa questão, é necessário antes esclarecer a que se destina a tributação de lucros e dividendos e em que ponto da tramitação as matérias estão.
Em que ponto estão da tramitação:
De modo mais específico, a PEC 45/2019 da Câmara já está com seu prazo de emendamento encerrado no âmbito da Comissão Especial e, portanto, aguarda o relatório do Dep. Aguinaldo Ribeiro (PP/PB). Ao todo, lhes foram apresentadas 219 emendas.
No que se refere à PEC 110/2019 do Senado, o prazo de emendamento ainda não foi encerrado no âmbito da CCJ, o que deve se manter enquanto perdurar a discussão. Nesse sentido, até a presente data, 31 de agosto deste ano, foram apresentadas a esta PEC 144 emendas.
A que se refere a tributação da distribuição de lucros e dividendos?
A distribuição de lucros e dividendos nada mais é do que a parcela do lucro da empresa que remunera o investimento de seus investidores.
Desde 1996 o Brasil isenta de qualquer tributação o imposto sobre este tipo de renda dada a premissa de que, tributando a empresa no momento de sua produção e o acionista no momento da divisão dos lucros, incorre-se num processo de bitributação.
O Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), por exemplo, em entrevista em fevereiro afirmou o seguinte sobre esse fenômeno:
“Quando você tributa a pessoa jurídica e não tributa dividendos, se a pessoa for reinvestir [na produção] acaba tributando novamente. Ele acaba passando para pessoa física e vai criando fundos. O sistema beneficia hoje esse movimento”.
Por essa razão, defendeu que propostas que incidam na tributação dos dividendos empresariais devem vir acompanhadas de alguma compensação tributária às PJs a fim de evitar evasões fiscais.
Como o tema se distribui na Reforma Tributária:
O levantamento realizado pela Metapolítica aponta que, até 31 de agosto, do total de 363 emendas apresentadas (contando conjuntamente Câmara e Senado), 21 delas (5,78%) fazem referência ao fim da isenção do imposto de renda sobre lucros e dividendos. Desse total de 21 emendas, 8 (38%) delas foram apresentadas à PEC 45/2019 na Câmara dos Deputados e as outras 13 (62%) foram apresentadas à PEC 110/2019 no Senado Federal.
Fonte: Metapolítica
Na câmara dos Deputados, o PDT (37,5%), o PATRIOTAS (12,5%) e o PL (12,5%) são os partidos que mais apresentaram emendas em relação ao tema.
Fonte: Metapolítica
No Senado Federal, o PT domina a proposição do tema (76,9%), enquanto Rede, PL e CIDADANIA complementam igualmente o quadro (7,7% cada).
Fonte: Metapolítica
Os senadores Jaques Wagner (PT/BA) e Rogério Carvalho (PT/SE) são seus principais propositores.
Fonte: Metapolítica
Considerando as duas casas legislativas, a distribuição da proposição de emendas por Estados notabiliza, principalmente, o nordeste, mais especificamente Sergipe e Bahia.
Fonte: Metapolítica
Possíveis cenários:
Em live sobre a Reforma Tributária, no dia 22 de junho, para o portal Congresso em Foco, a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, questionada sobre quais tópicos a proposta do governo poderia tangenciar, afirmou que: “estamos trabalhando em outros elementos que não envolvem CPMF, inclusive na tributação de dividendos”.
Poucas semanas depois, no dia 03 de julho, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, em live para a ABDIB (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base), afirmou que: “Não quero tributar empresa, mas se o dinheiro sair para o acionista, aí você tributa o dividendo. Não é possível que alguém pague zero sobre dividendo enquanto o trabalhador paga 27,5%”.
Apesar das sinalizações, a proposta inicial de reforma tributária do Governo, enviada à Câmara dos Deputados no dia 21 de julho como PL 3887/2020, não contemplou o referido tema. Além disso, o Ministério não tem sido claro sobre os próximos passos de sua proposta de reforma, o que dificulta mensurar até que ponto o retorno da tributação de dividendos teria viabilidade por este eixo.
Pelo lado do legislativo, como se destaca nos dados formulados pela Metapolítica, a temática está fortemente concentrada em partidos mais à esquerda do espectro político, tais como PT e PDT. Apesar de ser possível notar, no caso da Câmara dos Deputados, uma presença mais significativa de partidos do espectro da direita, tais como PL e PATRIOTAS, a falta de maior heterogeneidade e participação dos partidos de centro pode ser indicativo de que o consenso sobre o tema está longe de ser alcançado.
Por fim, caso o Ministério da Economia apresente as outras “fatias” de sua proposta de reforma tributária e, nessas condições, acabe tangenciando a tributação de lucros e dividendos, possivelmente as maiores resistências à temática seriam dirimidas, o que permitiria dar maior heterogeneidade e viabilidade ao retorno desta tributação.
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Arthur Ives N. da M. Lima
Integrante da Metapolítica, bacharel e mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), atualmente é doutorando em Sociologia Política por essa mesma instituição. Atua no monitoramento e na formulação de estratégias de atuação junto ao Poder Legislativo.