Ainda que pouco explorado e assunto de extrema importância para o funcionamento das casas legislativas federais e também para os cidadãos que acompanham, fiscalizam e cumprem com as leis vigentes, o regime de tramitação dos projetos de lei definem de que maneira os parlamentares irão apreciar uma proposição legislativa.
Os regimes, podem ser definidos como o “tipo de encaminhamento das proposições, determinado pelo tempo que tramitam nas diversas comissões” e podem receber nomenclaturas distintas, como por exemplo na Câmara Municipal de Belo Horizonte/MG, o regimento interno prevê os regimes ordinário e especial.
Na Câmara dos Deputados, são definidos pelo Regimento Interno e divididos, segundo o seu próprio site, em regime urgentes, de tramitação com prioridade e de tramitação ordinária, nos termos do art. 151 do RICD:
CAPÍTULO VI
DO REGIME DE TRAMITAÇÃO
Art. 151. Quanto à natureza de sua tramitação podem ser:
I – urgentes as proposições:
- a) sobre declaração de guerra, celebração de paz, ou remessa de forças brasileiras para o exterior; b) sobre suspensão das imunidades de Deputados, na vigência do estado de sitio ou de sua prorrogação;
- c) sobre requisição de civis e militares em tempo de guerra, ou quaisquer providências que interessem à defesa e à segurança do País;
- d) sobre decretação de impostos, na iminência ou em caso de guerra externa;
- e) sobre medidas financeiras ou legais, em caso de guerra;
- f) sobre transferência temporária da sede do Governo Federal;
- g) sobre permissão para que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;
- h) sobre intervenção federal, ou modificação das condições de intervenção em vigor;
- i) sobre autorização ao Presidente ou ao Vice-Presidente da República para se ausentarem do Pais;
- j) oriundas de mensagens do Poder Executivo que versem sobre acordos, tratados, convenções, pactos, convênios, protocolos e demais instrumentos de política internacional, a partir de sua aprovação pelo órgão técnico específico, através de projeto de decreto legislativo, ou que sejam por outra forma apreciadas conclusivamente;
- l) de iniciativa do Presidente da República, com solicitação de urgência;
- m) constituídas pelas emendas do Senado Federal a projetos referidos na alínea anterior;
- n) referidas no art. 15, XII;
- o) reconhecidas, por deliberação do Plenário, de caráter urgente, nas hipóteses do art. 153;
II – de tramitação com prioridade:
- a) os projetos de iniciativa do Poder Executivo, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Mesa, de Comissão Permanente ou Especial, do Senado Federal ou dos cidadãos;
- b) os projetos:
1 – de leis complementares e ordinárias que se destinem a regulamentar dispositivo constitucional, e suas alterações;
2 – de lei com prazo determinado;
3 – de regulamentação de eleições, e suas alterações;
4 – de alteração ou reforma do Regimento Interno;
III – de tramitação ordinária: os projetos não compreendidos nas hipóteses dos incisos anteriores.
O primeiro é aquele que “dispensa de exigências, interstícios ou formalidades regimentais,”, devendo tratar dos assuntos constantes do inciso I, do artigo 151 do RICD. Os artigos 152 e 153 do mesmo texto legal entendem que alguns requisitos não podem ser dispensados, mas devem ser requeridos e depois apreciados entrando em discussão pelos eleitos de forma imediata.
O segundo é aquele que também “dispensa de exigências regimentais para que determinada proposição seja incluída na Ordem do Dia da sessão seguinte”, mas será discutido e votado “logo após as proposições em regime de urgência.”, nos termos do artigo 158 do RICD, ainda que observados os requisitos trazidos pelo inciso II, alínea a do artigo 151 já mencionado. O artigo 159 entende que a terminologia preferência, está ligada “a primazia na discussão, ou na votação, de uma proposição sobre outra, ou outras”
Por fim, o terceiro é aquele que ocorre para a tramitação da maior parte dos projetos e que não se encaixa nos regimes descritos na norma.
Entretanto o Projeto de Lei de nº 4606/2019, que trata da vedação de “qualquer alteração, edição, supressão, adição ou adaptação aos textos dos livros da Bíblia Sagrada, mantendo a inviolabilidade de capítulos e versículos proibindo modificar o texto sagrado garantindo a pregação do seu conteúdo em todo território nacional.” recentemente discutida pela Câmara dos Deputados, trouxe uma novidade ao que prevê a norma interna da casa legislativa.
Isso porque, o autor do projeto de Lei, editado em 20 de agosto de 2018 pelo Pastor Sargento Isidório, apresentou à Mesa Diretora uma nova modalidade de requerimento na votação do PL no dia 17 de dezembro de 2019. Demandando “urgência urgentíssima ao PL 4606, de 2019.” e se baseando apenas e tão somente no artigo 155 do RICD e não em qualquer inciso, sua “aprovação” se deu em 04 de maio de 2022, pelo Plenário da Câmara.
O regime de tramitação de urgência urgentíssima, segundo a própria Câmara, trata-se de documento apresentado e “assinado pela maioria absoluta de deputados ou líderes que representem esse número (257). O requerimento precisa ser aprovado pela maioria absoluta dos votos. Se aprovada, a proposição é incluída na Ordem do Dia da mesma sessão.”
Trata-se de “mecanismo de deliberação instantânea de matéria considerada de relevante e inadiável interesse nacional (…) com o objetivo de conferir rapidez ao andamento da proposição” assim, “Aprovado o requerimento, a proposição, também por maioria absoluta, poderá entrar automaticamente na Ordem do Dia para discussão e votação imediata, ainda que já tenha sido iniciada a votação de outra matéria.”
Diante do exposto, deve-se ter em mente que as proposições legislativas não se tratam simplesmente de textos apresentados, discutidos e votados, mas que também devem cumprir com os requisitos trazidos pelo conjunto de regras estabelecidas para regular o funcionamento das casas do Poder Legislativo, sendo o regime de tramitação da norma (ainda que não apenas este requisito, mas também todos aqueles outros) um aspecto organizador relevante e que deve ter suas condições indispensáveis cumpridas.
Mais informações:
Graduada em Direito e Especialista em Direito Processual Civil e Argumentação Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas, especialidade Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).