A atuação do Senado Federal foi, como a de todas demais instituições, fortemente impactada pela pandemia. Mais afetada do que a Casa vizinha – Câmara dos Deputados, a Casa Revisora se viu num papel difícil não só pelo perfil mais sênior dos parlamentares, mas também pelo início de novas gestões durante o processo, com a chegada de novos presidentes tanto para a Câmara quanto para o Senado, e situações políticas que foram se desenvolvendo e complicando o cenário.
A posse do deputado e líder do Centrão, Arthur Lira (PP/AL), à presidência da Câmara, com alinhamento e aproximação ao chefe do Poder Executivo, presidente Jair Bolsonaro – sem partido, pressionou o presidente, também recém chegado, do Senado – senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG).
Em meio à questões conturbadas da política nacional, Pacheco se viu obrigado a lidar e disputar protagonismo com as proporções cada vez maiores e fatores cada dia mais polêmicos da CPI da COVID19, que aos poucos, passou a envolver pessoas do alto escalão e, inclusive, muito próximas ao presidente Bolsonaro, gerando, por vezes, desalinhamento ou distanciamento no diálogo entre os presidentes das duas Casas, e dando mais espaço a parlamentares de grande influência, como Renan Calheiros e Omar Aziz, que souberam aproveitar a visibilidade do momento aos trabalhos da CPI.
Pacheco, que é originário da Câmara e cuja trajetória política se destacou naquela ocasião através da sua eleição e atuação junto à presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJC, chega à frente da gestão do Senado em um momento de valorização do seu nome como uma eventual terceira via.
Observamos o acirramento de embates ideológicos, principalmente, entre aqueles com mais afinidades ao Partido dos Trabalhadores contra apoiadores mais fieis de Jair Bolsonaro, com o expressivo crescimento do nome de Luiz Inácio Lula da Silva em detrimento ao do atual presidente.
Este fenômeno foi, certamente, aumentado pela atuação da CPI da COVID19 que, por mais positiva que seja para vincular a imagem de Rodrigo Pacheco, à frente da presidência do Senado, à terceira via, já que busca atuar como “o adulto na sala”, na realidade, sabe-se que as chances de um segundo turno são ainda baixas para o provável concorrente.
Tudo isso colabora para dificultar sua aproximação e alinhamento com a Câmara, cujo presidente, que lidera o Centrão, também tem suas estratégias e ambições políticas para os próximos anos, e que pelo perfil, não se sente confortável com a disputa de protagonismo com o presidente do Senado.
Essa disputa pode ser explicada por vários fatores, não só diários, relacionados à pautas e interesses menores os quais deliberam as Casas, mas também pelo nível de aproximação de cada um, e o quanto isso pode ser confortável em relação ao papel que desempenham, junto ao presidente Bolsonaro.
É pouco interessante para o presidente do Senado ser visto com uma aproximação maior do que meramente institucional com o presidente da República, visto que é melhor que seja identificado como regulador e mediador das pautas que vêm da Câmara – considerando a aproximação já selada e as várias demonstrações de controle expostas por Arthur Lira que favoreceram, ou pelo menos, colaboraram para baixar a poeira em momentos de mais dificuldade política para Bolsonaro.
Além disso, Lira provavelmente buscará a reeleição para a Câmara em 2022, e findada a legislatura, buscará manter seu nome forte para disputar novamente presidência da Casa. Líder do Centrão, e articulador forte, conectado à bancada do agronegócio, Lira teria dias melhores com um presidente da República mais maleável, e menos desconectado de discursos populistas.
Lira tem tido a oportunidade de coordenar pautas sensíveis e importantes do Parlamento e, por vezes, da política nacional, já que, como dito no começo, a atuação do Senado foi fortemente, e principalmente no início, prejudicada pela pandemia.
Além disso, o enfraquecimento de Jair Bolsonaro com todos os demais fatores de crise gerados pelo processo, como: inflação, alta dos combustíveis, risco de racionamento energético crescente, investigações e aproximação de sua família e outros stakeholders muito próximos a ele junto à CPI e por outros casos de corrupção, deram à Câmara e ao Centrão enorme visibilidade e poder. Com isso, conseguiram, inclusive, emplacar a indicação, em julho deste ano, de Ciro Nogueira à Casa Civil. O senador forte e influente do Centrão que selou a visibilidade do alinhamento ou disposição entre a “entidade” Centrão e Jair Bolsonaro.
Ciro licenciou-se do Senado para assumir a Casa Civil e, importante observar que isso também gera algum impacto na organização interna da Casa Revisora. A saída do principal representante do Centrão no Senado afasta de Pacheco um ponto focal, apesar de, por outro lado, facilitar o diálogo da Casa junto ao Poder Executivo. Isso, no entanto, pode acabar, na maioria das vezes, sendo mais benéfico às pautas e intenções de Lira do que necessariamente de Pacheco.
Levando em consideração a deficiência de articulação gerada pelo perfil das atividades, agora remotas, o Senado se viu, portanto, mais “sendo obrigado a reagir” – seja para travar pautas problemáticas advindas da Câmara, por intenção do Centrão mais propriamente, ou do seu endosso ao Executivo – do que como protagonista do processo político, na indicação e coordenação de pautas.
Pacheco tem usado sua influência e jurisdição para apagar incêndios, como no caso da desaceleração da Reforma do Imposto de Renda, polêmica e pouco popular a vários setores, ou da indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal – STF, bem como ajustando pontos de conflito da Reforma Eleitoral, e prezando por pautas mais funcionais, como a tramitação do projeto dos precatórios.
Resta saber, agora, como atuará e quais aliados manterá para obter resultados estratégicos frente a eventuais novas crises, como no caso de uma real possibilidade de racionamento energético e a tentativa de imposição por parte de Bolsonaro de pautas visando a corrida eleitoral.
Essas deliberações dependerão, possivelmente, de métodos e aprovações pouco convencionais por parte do Parlamento, por serem custosas ou polêmicas – como o Programa Renda Brasil, do qual o presidente pode depender profundamente para consolidar destaque para o segundo turno. Ainda, a condução efetiva para um encerramento produtivo da CPI da COVID19 – pauta que liderou os trabalhos do Senado em 2021 – é uma oportunidade a Pacheco para aumentar sua participação e visibilidade num cenário de derretimento de imagens por todos os lados.
A atuação da Casa frente à situação política presente, mas principalmente frente ao horizonte de instabilidade e disputa agressiva que se desenha para 2022 poderá, finalmente, efetivar Pacheco como um eventual presidenciável para um futuro próximo, ainda que não com força suficiente para 2022, já que o timing, realidade dos fatores e perfil do eleitor tornam cada vez menos favoráveis o fortalecimento de uma terceira via para a próxima eleição.
Kamila Zardini
Bacharel em Relações Internacionais, MBA em Relações Internacionais – FGV, especialista em Relações Governamentais
Comentários 2