O presente ano de 2022, como período de tempo em que pesquisaremos e escolheremos nossos representantes no Congresso Nacional e também o Presidente e seu Vice, unido ao (aparente) fim da pandemia do COVID-19, conjuntamente ao maior interesse da população brasileira sobre o assunto da política institucional gera imensas dúvidas sobre os complexos conceitos utilizados no contexto social, especialmente nos âmbitos políticos e eleitorais.
Diante dos acontecimentos amplamente divulgados e ocorridos no evento Lollapalooza, realizado em São Paulo no sábado, dia 26 de março e no domingo dia 27 de março de 2022 e também da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) surgida pelo pedido apresentado pelo Partido Liberal (PL) que proibiu atos de propaganda partidária no festival por meio dos artistas que ali se apresentavam surge a dúvida: a atitude do TSE é censura?
A liminar, decisão que não termina o processo, que proibiu atos de propaganda partidária no festival foi proferida pelo ministro Raul Araújo, que determinou multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para a organização do festival em caso de novas ocorrências. Ainda que no dia 28 de março tenha havido revogação da decisão, homologação do pedido de desistência realizado pelo próprio partido político e consequentemente arquivamento da ação, o presente texto tem o papel de explicar a diferença entre as terminologias.
Mais do que isso, é importante responder as seguintes questões: o fato dos artistas rejeitarem certo candidato ou enaltecerem outro em cima do palco, é propaganda eleitoral antecipada? Ou é mera manifestação política? Vejamos:
A Constituição Federal de 1988 garante o direito à livre manifestação do pensamento e veda toda e qualquer censura política, ideológica e artística, por meio de seu artigo 220, § 2º.
CAPÍTULO V
DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (…)
- 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
A propaganda eleitoral consiste na atividade política e de natureza publicitária que vise, direta ou indiretamente, promover candidatura de pessoas, partidos políticos, entre outros, por meio da publicação de texto ou uso de imagens que reproduzam o conteúdo dessa atividade. Mesmo que tenha como uma das finalidades a conquista de votos, pode ser realizada fora dos períodos de campanha, observadas as proibições e limitações previstas no ordenamento jurídico brasileiro.
Ao envolver recursos financeiros e ser regulamentada pela legislação eleitoral, segundo o site do TSE, e diferentemente da propaganda política, é aquela “(…) em que partidos políticos e candidatos divulgam, por meio de mensagens dirigidas aos eleitores, suas candidaturas e propostas políticas, a fim de se mostrarem os mais aptos a assumir os cargos eletivos que disputam, conquistando, assim, o voto dos eleitores.”
De forma distinta, a manifestação política está ligada a um direito e uma garantia gratuitos, ainda que não somente ele, trazidos pela CF/88 em seu artigo 5º, inciso IV: o direito à livre manifestação do pensamento. São necessárias para a construção da vida da população, podendo ser elas de apoio ou repúdio a algum aspecto ligado à política – atitudes tomadas, pessoas, votações, sanções/vetos, entre outros.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Atualmente são exemplos de manifestações políticas as redes sociais, pessoalmente nas ruas e também por meio das pichações e dos panelaços, sendo definidos como um ato (ou vários deles), coletivo ou solitário, em que o(s) envolvido(s) expressa sua(s) opiniões de forma pública e ligados a um “movimento vivo, pulsante”, distinto da participação institucionalizada “como os conselhos que exemplificariam a transformação de espaços políticos, deliberativos, pensados para dar voz à população na discussão de políticas, em órgãos de gestão com discussões técnicas” e “sobre as quais representantes dos usuários pouco conseguem interferir”.
Resta evidente que apesar dos conceitos serem parecidos e envolverem aspectos sociais semelhantes, sua diferença se dá uma vez que a propaganda eleitoral ocorre quando se recebe dinheiro para tanto e está dirigida àqueles que são eleitores. Do contrário, trata-se apenas e tão somente da execução do direito de manifestação política trazido pela Constituição Federal, ressaltando que a censura é vedada no nosso país.
Assim, para que não se confundam os conceitos é relevante que se entenda suas diferenças e que a manifestação política (e não propaganda eleitoral) realizada por artistas e fãs durante o evento supramencionado, caso não comprovado o recebimento de dinheiro e também se a decisão tomada pelo TSE não tivesse sido arquivada, haveria, entre outros desdobramentos jurídicos e sociais, a caracterização da censura.
Mais informações:
Artigo: Democracia e participação: para além das dicotomias
Graduada em Direito e Especialista em Direito Processual Civil e Argumentação Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas, especialidade Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).