Texto por: Ana Luíza Matos de Oliveira – Economista, Doutora em Desenvolvimento Econômico. Professora Visitante da FLACSO – Brasil.
Muito se fala em “desenvolvimento” ou “desenvolvimento econômico”. Mas o que significa desenvolvimento?
O senso comum, na maioria das vezes, nos leva a interpretar, pela própria etimologia da palavra, que o desenvolvimento seja uma “fase” na história dos países, que chegariam a um ponto mais desenvolvido. Assim, nós do chamado “Sul Global” poderíamos chegar um dia a ser como os países do Norte Global (ou como os EUA, modelo em linhas gerais mais liberal, ou como a Europa, modelo em linhas gerais com mais gestão regulada das desigualdades, ainda fruto da experiência do Welfare State do continente durante o pós-segunda guerra). Assim, muito do debate se dá em torno de “como” alcançar este nível de desenvolvimento: quais as políticas necessárias. Desta forma, alguns, na linha do Fundo Monetário Internacional ou do Banco Mundial, darão ênfase nas possibilidades que o mercado tem para levar os países a este ponto, enfatizando uma atuação do Estado para reduzir as maiores vulnerabilidades a partir de políticas focalizadas nos mais pobres. Outros, na linha da Cepal e de inspirações mais keynesianas, vão enfatizar o papel do Estado e da promoção de políticas públicas de forma mais robusta para o desenvolvimento econômico e para a gestão regulada das desigualdades.
Para além de discutir quais seriam as políticas necessárias para chegar ao nível destes países, mais recentemente algumas teorias tem chamado a atenção sobre se este é o ponto em que se quer chegar. E isso sem “romantizar” a pobreza e a vulnerabilidade e sem deixar de lado a necessidade da melhoria objetiva de alguns índices, como os ligados à saúde, educação e renda. Mas estes olhares têm chamado a atenção para a discussão de que, para além de pensar se seria possível e como, se devemos aspirar a ser “cópias” do Norte Global. Estes olhares criticam o colonialismo na nossa ciência, que tende a ter como norte justamente o “Norte”
Uma destas teorias vem da nossa região, a América Latina, e é o chamado “buen vivir”. Ele propõe uma nova forma de medir o “desenvolvimento” e o bem-estar a partir de outra relação social e outra relação com a natureza, que não seja uma de exploração e depredação. O buen vivir busca propor uma forma de pensar o bem-estar a partir do local e em especial a partir das contribuições dos povos originários da América Latina, aproveitando o potencial socioambiental da região, de pensar o desenvolvimento a partir do bem-estar e não da acumulação.
Das várias concepções possíveis sobre desenvolvimento que apresentamos, qualquer que seja a concepção que se escolha adotar, por estarmos em uma das regiões mais desiguais do mundo (quanto a classe, raça, gênero, região, nacionalidade etc), o objetivo central de um projeto regional ou nacional de desenvolvimento deve a redução das desigualdades e das vulnerabilidades, a meu ver. Resolver as desigualdades e as vulnerabilidades em nossa região é desenvolvimento.
A partir desta visão, nos cabe avaliar se: antes da pandemia estávamos neste caminho? durante a pandemia as políticas públicas nos levaram a este caminho? quais possibilidades se abrem para o pós-pandemia?
Se até 2015 a América Latina (e o Brasil) vinham em uma trajetória de redução das desigualdades e das vulnerabilidades sociais, o quadro mudou bastante a partir de 2015 com o aumento da pobreza, da desocupação, além da piora de outros índices. Durante a pandemia também cresceu enormemente a vulnerabilidade social, levando os analistas a falarem em uma recuperação em “K”, em que os ricos se recuperam rapidamente e os pobres ficam em situação pior. Dado este quadro, que possamos então pressionar para políticas verdadeiramente de desenvolvimento no pós-pandemia.