Aqueles que, como eu, compuseram a geração que vibrou ao ver a sequência de filmes De volta para o futuro veem que muito do que foi considerado ficção científica à época, hoje, faz parte da nossa realidade comum. Se para você essa história não faz sentido, muito provavelmente você compõe a chamada geração dos nativos digitais e não é uma migrante digital como esta que vos escreve.
Em todo caso, o fato é que, embora em barcos diferentes, todos nós estamos hoje navegando as mesmas águas, que nos conduzem pela transição do capitalismo. Se antes eram as indústrias e os bancos tradicionais os principais grupos do sistema capitalista, a nova fase, já iniciada, tem nas empresas de comunicação, apps, mídias sociais, telecomunicações e outras tecnologias seus atores fundamentais.
A informação e a produção de conhecimento tornaram-se mais importantes do que nunca. Somos bombardeados o tempo todo com informações via redes sociais, whatsapp e afins. Em meio a um mar informacional, tentamos identificar o que é de fato conhecimento. Ao mesmo tempo, nunca houve tanta fake news e desinformação. Novas profissões surgem para tentar dar conta de tudo isso, como as de cientista de dados e analista de dados.
Essa nova etapa do sistema capitalista que traz a superação do capitalismo industrial e financeiro vem sendo chamada de Capitalismo Informacional por autores como Manuel Castells. Como veremos, o 5G é uma peça fundamental de toda essa engrenagem.
O que é o 5G
As gerações 1G, 2G, 3G e 4G têm sido sempre definidas em função da sua velocidade de transmissão de dados. Em geral, quando uma nova tecnologia é lançada, ela substitui as anteriores. O 5G detém velocidade e capacidade sensivelmente maiores que as tecnologias anteriores. Para termos uma ideia, a velocidade de transferência do 4G alcança, no máximo, 1 GB por segundo, já o 5G chega a atingir 10 GB no mesmo tempo.
Com isso, é possível suportar um número expressivamente maior de dispositivos conectados à internet, todos em uso ao mesmo tempo. Nesse sentido, o 5G tem sido apontado como um recurso fundamental para permitir a implementação da Internet das Coisas (Internet of Things, em inglês), com a melhor integração dos dispositivos que se conectam à internet, como câmeras de segurança, Smart TVs e outros. Sem falar na Inteligência Artificial, tecnologia que usa big data, ou seja, dados que milhões de pessoas produziram no mundo para dar respostas às nossas perguntas. Esse gigantesco volume de dados é analisado pelos algoritmos. São exemplos do uso da Inteligência Artificial os assistentes virtuais dos smartphones e os chatbots de serviços das empresas.
A disputa em torno do 5G
Diante do cenário que se apresenta, é até esperado que a disputa entre Estados Unidos e China, que se deu em um primeiro momento principalmente em função da disputa comercial, tenha rapidamente migrado para a disputa tecnológica envolvendo o 5G.
Tal disputa interessa ao mundo inteiro, considerando que estamos todos sendo afetados por esse jogo de poder tectônico. Já falamos em outro artigo aqui sobre as impressionantes taxas de crescimento chinesas. A política externa de Trump, com seu Make America Great Again, escancarou o conflito sino-americano, mas é um equívoco pensar que ele está sozinho nesse combate. Um artigo de Joe Biden publicado na influente revista Foreign Affairs, ainda em abril de 2020, evidenciava que o então futuro presidente pretendia falar duro com Beijing e, de fato, é isso que estamos vendo hoje.
O embate sobre o 5G foi deflagrado em janeiro de 2018, quando o Congresso dos Estados Unidos acusou a empresa Huawei de espionagem e roubo de informações sensíveis. Na esteira dessa acusação, aliados de Washington se somaram ao conflito, entre eles Reino Unido, Austrália e Japão. A americana Google também rompeu relações com a Huawei.
A situação degringolou de vez quando a executiva da Huawei Meng Wanzhou foi presa no Canadá sob a acusação de fraude e conspiração. Ao que tudo indica, o caso envolvia a venda de equipamentos de informática a uma empresa telefônica iraniana, o que contrariava as sanções comerciais impostas a Teerã. Por mais que a Huawei seja uma empresa privada, ela possui relações muito próximas com o governo chinês, o que também é explorado discursivamente pelo governo dos Estados Unidos.
Desde 2018, a pressão sobre os países pela adoção da tecnologia 5G americana ou chinesa aumentou enormemente. Não são poucos os relatos da pressão sofrida por governos nacionais em todo o mundo. Todo esse movimento é absolutamente compreensível, já que análises acuradas indicam que o 5G terá um significativo impacto no desenvolvimento dos países e mesmo no comércio global, no contexto da transformação digital vivenciada por diferentes sociedades. Quem conseguir chegar primeiro aos países com essa tecnologia levará uma grande vantagem. Como diria o personagem Quincas Borba, de Machado de Assis: “Ao vencedor as batatas!”. Vejamos quem ganhará essa briga.
Suhayla Khalil
Doutora em Relações Internacionais, Investigadora CEI – Instituto Universitário de Lisboa e Professora na FESPSP.