No dia 12 de setembro de 2017, Rodrigo Maia, agora ex-presidente da Câmara dos Deputados, anunciou: “Nosso papel é construir, no sistema democrático, ferramentas para que a sociedade possa participar de forma mais efetiva”. Nesse dia, Rodrigo Maia lançava a Pauta Participativa, ferramenta da Câmara que permitiria ao cidadão opinar sobre o que deveria ser votado pelo Plenário da Casa.
O trabalho prontamente mobilizou os servidores, acadêmicos e contou com o empenho especial do Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados (Labhacker) na viabilização da plataforma. O método escolhido foi inspirado em um trabalho realizado pelo matemático Karel Janecek, denominado “Democracia 2.1” (D21). A tese previa que os participantes (cidadãos) devessem registrar as suas opções prediletas e também pudessem indicar as suas rejeições. Assim, as opções selecionadas seriam aquelas que apresentarem melhor saldo de votos.
A medida era importante por três motivos fundamentais. Primeiro, a partilha do poder de pauta do Presidente com a sociedade. Segundo, incentivo à participação popular e por consequência o fortalecimento da democracia participativa. E terceiro, por aproximar e mudar a relação da sociedade com a classe política, em especial com o Legislativo.
O sistema apresentado funcionaria da seguinte forma: seriam apresentados três assuntos diferentes relativos a projetos que já tivessem preenchidos todos os requisitos do processo legislativo para votação em Plenário. Em seguida, o cidadão poderia escolher dois projetos de cada tema para serem votados e marcariam aquele que não queria que entrasse na pauta. Ao final, a Câmara colocaria em pauta os projetos de cada tema que tivesse obtido o maior saldo positivo de votos, ou seja, votos favoráveis menos votos contrários.
O sistema (D21) já havia sido implementado com resultados satisfatórios, pelas prefeituras de Nova Iorque, Praga e pelo Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido. Aqui no Brasil a iniciativa era apoiada e monitorada pelo consultor Fabiano Angelico, da ONG Transparência Internacional; a professora Marisa von Bülow, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e coordenadora do Grupo de Pesquisa Repensando as Relações entre Estado e Sociedade; e o professor Rafael Cardoso Sampaio, do Instituto de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná e coordenador do Grupo de Pesquisa Comunicação e Participação Política.
Contudo, mesmo com apoio público, sustento tecnológico e respaldo acadêmico a iniciativa não vingou e ficou apenas na promessa. O sistema até onde se sabe foi testado apenas em uma oportunidade¹ e em seguida, infelizmente, engavetado por Rodrigo Maia.
A frustração no empreendimento do referido sistema pode ser elemento interpretativo para uma questão maior: a ideia de que a dimensão da política institucional ainda é muito distante da realidade de exercício da cidadania no Brasil.
Ainda pouco madura, a democracia brasileira atravessou apenas 33 anos sem descontinuidades em seu regime político. A Carta Magna de 1988, que marca o reinício deste processo, apela para o direito de “peticionar” como um princípio inerente à democracia. Nesse ponto, a falta de consolidação de uma cultura política em que o direito de “demandar” seja acessível, é revelador de que os mecanismos oficiais de andamento processual das matérias legislativas não são palatáveis à população, além disso, que a representatividade política, hoje concentrada na figura imediata dos parlamentares, se mobiliza como alternativa limitada de participação popular neste jogo institucional.
Não é de se espantar, portanto, que a iniciativa de implementação do Pauta Participativa, arregimentada pelo agora ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, tenha naufragado. São cada vez mais notáveis os limites da representatividade política.
A catalisação dos anseios nacionais, do exercício cidadão e da consolidação da democracia deve perpassar, sem receios, por uma maior intensificação na interlocução com entidades da sociedade civil capazes de organizar as pautas de anseio social. Ou seja, o caminho da melhoria da participação política não deveria ser direcionada do parlamento à população sem estar conectada a uma “arrumação do terreno” participativo. A sociedade civil possui interesses que transitam pelos mais diversos temas, tais como: meio ambiente, segurança, saúde, educação, combate à corrupção, etc; mas a forma como se organiza para peticionar todo esse conjunto de interesses se torna um grande problema. Não existe o partido da representação direta do povo. Nesse caso, mais do que simplesmente lançar uma ferramenta de participação, seria necessário recorrer a uma melhor preparação da forma como esses mecanismos participativos seriam apreendidos por uma população com anseios tão difusos.
Neste sentido, para além da estruturação de um sistema de participação da população no jogo político institucional, o estamento político brasileiro deve, por um lado, procurar incentivar uma cultura política participativa que não compreenda no voto sua única forma de manifestação de cidadania; e por outro lado, deve estabelecer melhores canais de interlocução com entidades capazes de realizar a representação de interesses políticos, dado que essas são hoje as instituições que organizam agendas de interesse social difusas.
Enfim, se a representação política parlamentar possui limitações para conectar a população ao jogo político institucional, essa deve reestruturar sua forma de interação. As debilidades participativas não se manifestam por mero desinteresse popular, mas também por uma desorganização natural da sociedade civil e pela falta de uma cultura política consolidada quanto ao exercício cidadão do peticionamento. Nessas condições, o erro de Maia, enfim, foi ter buscado sanar o sintoma e não a doença.
[1] Câmara dos Deputados: https://edemocracia.camara.leg.br/pautaparticipativa/pauta/1
_____
Jorge Ramos Mizael e Arthur Ives