A Comissão Nacional da Verdade (CNV) completou dez anos de existência neste ano. O comitê foi criado com o intuito de investigar e apurar possíveis violações dos direitos humanos que ocorreram entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura civil-militar brasileira. O cenário que isso é celebrado é incerto, já que há inúmeras afirmações confirmando a importância e total legalidade da ditadura militar no Brasil vindo de instituições apoiadoras do atual presidente da república. O objetivo deste texto é explicar de forma breve os efeitos da ditadura na política contemporânea brasileira, além de expor o debate político perigoso que existe nos dias atuais sobre tal temática.
OS FATOS DA DITADURA
A Comissão foi responsável pela elaboração de um relatório comprobatório de 191 mortes e 243 desaparecimentos durante o governo militar. Ademais, também foi fundamental para comprovar a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias, além da institucionalização do método da tortura. Apesar do grupo não receber poderes jurisdicionais, principalmente pela anistia geral oferecida aos perpetradores dos danos, o seu principal papel era oferecer uma justiça restaurativa baseada na verdade. Fiz um artigo junto com Anna Bittencourt, Caio da Rocha e Júlia Coimbra, que pode ser encontrado na loja da Amazon sobre a eficácia da verdade como mecanismo de reconciliação, no caso desse material, foi sobre a África do Sul, mas possui grandes semelhanças com o caso brasileiro. Outro material de extrema importância para aqueles que possuem mais interesse na temática é o escrito publicado pela editora Vozes chamado “Brasil: Nunca Mais”. O livro é uma reportagem sobre uma investigação no campo dos Direitos Humanos. É uma radiografia da repressão política que se abateu sobre os brasileiros considerados como adversários pelos militares.
O EFEITO POLÍTICO DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE
Foram mais de 1116 depoimentos e 80 sessões públicas realizadas em 15 unidades federativas. Ademais, de acordo com o Ministério Público Federal, o órgão já moveu mais de 50 ações penais nos últimos anos com o fim de investigar e punir militares envolvidos nesses crimes.
Há três personagens contemporâneos que serão citados ao longo deste artigo que tiveram um envolvimento com a CNV: Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Vana Rousseff e Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Lula foi preso durante a ditadura militar em São Bernardo do Campo. Essa prisão também tinha relação com o envolvimento do político com greves no ABC. Segundo o político, foi uma “burrice” que só postergou o fim da greve de 1980. “Acho que eles devem ter se arrependido de ter me prendido porque a minha prisão acabou fazendo o movimento crescer, ficar mais forte e politizar o movimento. Se eles tivessem ficado quietos, a greve acabava por si só”.
Dilma foi a única presidente da república torturada pela ditadura militar. Os detalhes pronunciados pela política eram claros a esse respeito: ‘Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban. Foi uma hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não me bater naquele dia”, relatou. “A pior coisa que tem na tortura é esperar. Esperar para apanhar. Eu senti ali que a barra era pesada. E foi”.
Brilhante Ustra, coronel reformado morreu, em 2015, aos 83 anos de câncer e sempre negou crimes do Doi-Codi em São Paulo, foi reconhecido como agente da tortura pela Justiça. A primeira ação que confirmou o título de primeiro torturador reconhecido foi movida pela família Teles, que teve cinco integrantes presos. “Ele me deu um safanão no rosto com as costas da mão e disse: ‘Tirem essa terrorista daqui'”, disse Maria Amélia Teles à Folha de S.Paulo. Outro membro da família, Criméia de Almeida, relatou: “Apanhei muito e apanhei do comandante. Ele foi o primeiro a me torturar e me espancou até eu perder a consciência, sendo que era uma gestante bem barriguda. Eu estava no sétimo mês de gravidez”, afirmou Criméia em dezembro de 2010.
A OPINIÃO SOBRE A DITADURA
Apesar de, na prática, a questão de reconhecer o golpe militar de 1964 como algo positivo não representar um efeito realista para as decisões políticas atuais, a temática sempre é objetivo de discussão extremamente polarizada. E por esse motivo uma das frases mais icônicas atribuídas ao presidente da república foi dita durante o impeachment de Dilma Rousseff (PT):
“Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim.”
PARTE FINAL DO VOTO DE JAIR BOLSONARO COMO DEPUTADO FEDERAL
Esse dualismo apresentado entre aqueles que afirmam que a ditadura foi “necessária” e outros que negam essa afirmativa possuem um efeito mínimo nas tomadas de decisão de proposições, entre outras temáticas, no entanto, tem alto valor simbólico. Por esse motivo, o dia do golpe lembrado anualmente pelo exército sempre vem de polêmicas, principalmente desde a chegada do presidente Jair Bolsonaro (PL) no alto cargo executivo.
O DILEMA DA OPOSIÇÃO
O dilema que cabe à oposição relacionado a essa temática é saber o quanto atuar para rechaçar qualquer apologia à ditadura e manifesto de apoio à repressão política ocorrida durante o período militar. Se, por um lado, é importante colocar a democracia como um ponto inegociável no panorama político e rechaçando qualquer possibilidade de uma afronta às instituições, por outro, essa cortina de fumaça impede a atenção para temas ainda mais sensíveis e necessários de se debater no contexto atual como: corrupção, inflação e saúde pública.
Em uma recente fala do presidente da república em tom eleitoral, falou sobre a ditadura e atacou o poder judiciário:
“[Na ditadura] todos aqui tinham direito, o deputado Daniel Silveira, de ir e vir, e sair do Brasil, trabalhar, constituir família, de estudar”.
“E nós aqui temos tudo para sermos uma grande nação. Temos tudo, o que falta? Que alguns poucos não nos atrapalhem. Se não tem ideias, cala a boca. Bota a tua toga e fica aí. Não vem encher o saco dos outros”.
PRESIDENTE NO DIA 31 DE MARÇO, CERIMÔNIA DE TROCA DE COMANDO DOS MINISTÉRIOS
Esse tipo de postura pode ser considerada um aceno para sua base eleitoral, na qual uma parte considerável tem esse ponto de vista, além de servir para desviar o foco da oposição de outros assuntos, já que este altamente ideológico tem baixa possibilidade de resolução ou efeitos práticos no dia a dia do cidadão brasileiro. A pergunta de análise que fica para o leitor: qual público vota com base na visão política sobre um fenômeno ditatorial que ocorreu há mais de 40? E qual é mais influenciado por fatores econômicos e sociais?
Graduando em Ciência Política na Universidade de Brasília (UnB) e Presidente da Strategos Consultoria Política Jr.