O mundo político possui vários instrumentos para que haja a criação de uma norma a ser inserida no ordenamento jurídico. Uma dessas ferramentas é a Proposta de Emenda à Constituição, também conhecida como PEC. Por meio dela é que vem se discutindo o controverso tema da cobrança de mensalidades nas universidades públicas.
Além disso, é importante destacar que as matérias em tramitação no Congresso Nacional são identificadas por siglas, destacando-se aqui, além da PEC, a existência do PL (Projeto de Lei Ordinária), PLP (Projeto de Lei Complementar) e PDL (Projeto de Decreto Legislativo).
Cada uma dessas siglas recebe número seguido do ano de criação para facilitação de sua identificação, possuindo ritos e complexidades distintas previstas nos regimentos internos de cada casa legislativa, para que a modificação legal (ou constitucional, no caso específico da PEC) ocorra, havendo a modificação da realidade vigente. Assim, necessário se faz uma diferenciação dos conceitos acima mencionados para que se possa entender o assunto tratado na PEC 206/2019.
PL – Projeto de Lei Ordinária
De acordo com o site do Senado Federal, o Projeto de Lei Ordinária, denominado PL, é “um conjunto de normas que deve submeter-se à tramitação num órgão legislativo com o objetivo de efetivar-se através de uma lei.”
Segundo a mesma fonte, se diferenciam as denominações “projetos de lei” e “propostas de lei” quando são elaborados por órgãos distintos. O primeiro é aquele idealizado pelos membros do Poder Legislativo, qual seja, vereadores, deputados (estaduais, federais ou distritais) e senadores, enquanto que o segundo é pelo Poder Executivo (prefeitos, governadores e Presidente da República).
Trata de qualquer matéria pertinente à competência do ente federativo que a edita, conforme descrito na Constituição Federal, dependendo, para a sua aprovação, o quórum de maioria simples dos votos (art. 61 da CF/88).
PLP – Projeto de Lei Complementar
De outra forma, o Projeto de Lei Complementar, doravante PLP, é, segundo define o próprio Congresso Nacional, a proposição legal “destinada à elaboração de Lei Complementar”.
Tal modalidade se diferencia daquela descrita acima no fato de que a Constituição Federal de 1988 determina quais são as matérias reservadas a ela, havendo que se frisar que existe uma necessidade da aprovação da maioria absoluta dos membros de cada casa do Poder Legislativo (art. 69 da CF/88).
Nos termos do que preveem os artigos da Constituição, são exemplos assuntos reservados a essa modalidade de projeto: a regulação dos Territórios Federais; a incorporação, subdivisão, desmembramento das Unidades Federativas; a criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios (art.18), bem como questões ligadas a aposentadoria daqueles ligados ao regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos (art. 40) e o número total de deputados federais, a ser estabelecido proporcionalmente à população do local e ajustado caso necessário (art. 45, §1º).
PDL – Projeto de Decreto Legislativo
Importante tratar também no presente texto sobre o Projeto de Decreto Legislativo, também conhecido como PDL. São aqueles “utilizados para regular as matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo” e que não necessitam da sanção do Presidente da República.
Após discussão e aprovação exclusiva pelo Congresso Nacional se transformam em Decretos Legislativos, ato normativo com eficácia análoga a de uma lei.
São exemplos de matérias que podem ser reguladas pelo PDL, a ratificação de atos internacionais, a sustação de atos normativos do Presidente da República, a autorização ao Presidente da República e ao Vice de se ausentarem do país por mais de 15 (quinze) dias, entre outros (art. 49 da CF/88).
PEC – Proposta de Emenda Constitucional
Em relação a Proposta de Emenda Constitucional (ou Proposta de Emenda à Constituição) também conhecida como PEC, é importante frisar pode ser apresentada pelo Chefe do Poder Executivo, por 1/3 (um terço) dos membros da Câmara dos Deputados ou por 1/2 (metade) das Assembleias Legislativas dos Estados da Federação (art. 60 da CF/88).
Em apertada síntese, será discutida e votada por dois turnos em cada casa legislativa com o quórum de aprovação de 3/5 (três quintos) dos votos dos parlamentares – deputados federais e senadores da República. Nos termos do §4º do artigo 60 da CF/88 (também conhecido como o artigo que prevê as cláusulas pétreas da Constituição), há a determinação clara de que não há a possibilidade de se abolir, por meio de proposta de emenda:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (…)
- 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
Portanto, trata-se de um instrumento que concretiza a alteração ao texto constitucional original, fazendo modificações ou suspendendo o conteúdo de parágrafo, tópico ou tema da Carta Constitucional, sem que haja a necessidade de instauração de uma nova Assembleia Constituinte ao mesmo tempo que só pode tratar de temas ligados às questões abrangidas pela Constituição Federal.
A DISCUSSÃO SOBRE A PEC 206/2019:
Por fim, a Proposta de Emenda Constitucional número 206/2019, de autoria do General Peternelli Deputado (PSL-SP) prevê alterar um trecho da Constituição Federal para estabelecer que as universidades públicas passem a cobrar mensalidades, garantindo o não pagamento a estudantes que comprovem ser carentes.
Em termos técnicos, o que propõe a PEC seria uma nova redação ao artigo 206, inciso IV e acrescentar um novo parágrafo ao artigo 207 – ambos da CF/88. Vejamos as modificações propostas:
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (…)
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, ressalvada a hipótese do art. 207, § 3º;” (NR)
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. (…)
- 3º As instituições públicas de ensino superior devem cobrar mensalidades, cujos recursos devem ser geridos para o próprio custeio, garantindo-se a gratuidade àqueles que não tiverem recursos suficientes, mediante comissão de avaliação da própria instituição e respeitados os valores mínimo e máximo definidos pelo órgão ministerial do Poder Executivo.”
Segundo a justificativa constante da PEC, a gratuidade generalizada não considera as diferenças de renda existentes no nosso país e gera distorções graves, uma vez que os estudantes ricos são aqueles que ocupam as vagas disponíveis nas universidades públicas em detrimento da população que mais precisa da formação superior para modificar sua história de vida.
Há a previsão de que “cada universidade teria sua própria comissão de análise para definir as gratuidades a partir de um corte de renda estabelecido pelo Poder Executivo. A proposta, no entanto, não explica como isso seria feito.”
Além disso, o relator Kim Kataguiri (União Brasil-SP), ao dar seu parecer pela admissibilidade da PEC na CCJC, coaduna com o exposto no texto e frisa que “é “absolutamente falso” que todos os alunos passem a pagar mensalidade a partir da promulgação da PEC”e que a medida não se trata de privatização dos centros de ensino existentes no nosso país.
Mais informações:
Termo: Projeto de Lei Complementar (PLP)
PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO (PDL)
Graduada em Direito e Especialista em Direito Processual Civil e Argumentação Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas, especialidade Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).