Como se sabe, a cultura no nosso país é ampla, diversa, extremamente relevante para o nosso povo e faz parte do nosso dia a dia. Músicas, novelas, peças teatrais, exposições, museus, séries, lendas, danças, festas e comidas típicas, são exemplos da manifestação da cultura no Brasil.
Recebendo proteção constitucional por meio do Título VIII, Seção II, contida no Capítulo III denominado “Da Educação, Da Cultura E Do Desporto” e dos artigos 215, 216 e 216-A da Constituição Federal de 1988, pode ser definida como “é um termo com sentido amplo que pode indicar tanto a produção artística quanto o modo de vida, o conjunto de saberes, a religião e outras expressões de um povo.”
Diz o primeiro artigo em seu caput que é papel do Estado garantir o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiando e incentivando a valorização e difusão das manifestações culturais, enquanto que o §3º em seus incisos impõe à lei estabelecer o “Plano Nacional de Cultura” com a finalidade de:
Art. 215. (…)
- 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:
I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II produção, promoção e difusão de bens culturais;
III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;
IV democratização do acesso aos bens de cultura;
V valorização da diversidade étnica e regional.
Mais à frente, por meio do artigo 216 da Lei Fundamental, há a previsão de que o patrimônio cultural brasileiro é dos mais variados e que é papel do Poder Público, com a colaboração da comunidade, promover e protegê-lo. Em seu §6º, faculta aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura, ao mesmo tempo que o artigo 216-A cria e dá orientações sobre o denominado Sistema Nacional de Cultura, de forma que o §4º deste artigo entende que:
Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.
(…)
- 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias.(grifo nosso)
Isso significa dizer que o importante tema da cultura é amparado também pelas leis estaduais, distritais e municipais, sendo prevista como papel do Estado brasileiro ser objeto e obrigação simultânea de todos os entes federativos, de forma a incentivar a criação, manutenção e acesso.
Sobre o assunto do acesso a cultura, é importante tratar de três normas, dentre várias que foram deliberadas nas casas legislativas e discutidas também pela opinião pública para entendermos, como cidadãos destinatários da cultura, o que vem sendo discutido no nosso país, especialmente para que seja formada nossa própria opinião sobre o assunto.
A LEI ROUANET
Tema extremamente polêmico já há muitos anos, a Lei nº 8.313/1991– mais conhecida como Lei Rouanet – é talvez a norma federal de incentivo à cultura mais conhecida e discutida, uma vez que, segundo seu dispositivo, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências.
De forma sintetizada, trata-se de uma autorização legal para “produtores a buscarem investimento privado para financiar iniciativas culturais. Em troca, as empresas podem abater parcela do valor investido no Imposto de Renda”.
O proponente apresenta uma ideia de ação cultural e apresenta à Secretaria da Cultura através de um sistema em que deve ser disponibilizado todos os detalhes e custos, que deve analisar e aprovar cada item. O órgão mencionado também analisa se o pedido pleiteado atende a diversos critérios contidos na Lei e caso atendidos, se torna efetivamente um projeto analisado por um parecerista da área cultural específica.
Art. 25. Os projetos a serem apresentados por pessoas físicas ou pessoas jurídicas, de natureza cultural para fins de incentivo, objetivarão desenvolver as formas de expressão, os modos de criar e fazer, os processos de preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro, e os estudos e métodos de interpretação da realidade cultural, bem como contribuir para propiciar meios, à população em geral, que permitam o conhecimento dos bens de valores artísticos e culturais, compreendendo, entre outros, os seguintes segmentos:
I – teatro, dança, circo, ópera, mímica e congêneres;
II – produção cinematográfica, videográfica, fotográfica, discográfica e congêneres;
III – literatura, inclusive obras de referência;
IV – música;
V – artes plásticas, artes gráficas, gravuras, cartazes, filatelia e outras congêneres;
VI – folclore e artesanato;
VII – patrimônio cultural, inclusive histórico, arquitetônico, arqueológico, bibliotecas, museus, arquivos e demais acervos;
VIII – humanidades; e
IX – rádio e televisão, educativas e culturais, de caráter não-comercial.
Parágrafo único. Os projetos culturais relacionados com os segmentos do inciso II deste artigo deverão beneficiar exclusivamente as produções independentes, bem como as produções culturais-educativas de caráter não comercial, realizadas por empresas de rádio e televisão.
Logo após a análise, o projeto é encaminhado para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura que também faz sua apreciação crítica e pode dar a homologação final, assinada pelo Ministro da Cidadania. Ao mesmo tempo, o produtor deve procurar empresas para patrocinar tal projeto, que podem deduzir do Imposto de Renda parte ou todo o valor investido.(art. 18 e 26).
Além disso, a norma propõe em seu artigo 3º, além da prestação de contas – obrigatória, segundo o artigo 29 – uma cláusula de contrapartida, de forma a descrever no no projeto de ação cultural qual o benefício será trazido àquela comunidade pelo evento a ser realizado.
Assim, resta comprovado acima que sua finalidade é de fomento à cultura nacional em vários níveis e facilitar a consolidação de patrocínios por meio de incentivo fiscal.
LEI PAULO GUSTAVO
Aprovada pelo Congresso Nacional, mas vetada pelo Presidente Jair Bolsonaro, a proposição legal denominada Lei Paulo Gustavo – PLP 73/2021- liberaria verba para apoio ao setor que fora extremamente prejudicado pelo contexto do COVID-19.
Dispondo sobre apoio financeiro de R$ 3.862.000.000,00 (três bilhões oitocentos e sessenta e dois milhões de reais) da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para garantir ações emergenciais voltadas ao setor cultural, a norma seria aplicada de forma que as transferências federais do dinheiro teriam finalidade específica e delimitada em lei: o enfrentamento da pandemia e suas consequências no setor cultural.
Além disso, a lei dispunha também sobre a alteração da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 para vedar a limitação de empenho e movimentação das despesas relativas a aquisição de produtos e serviços vinculados à execução do Fundo Nacional de Cultura, e não contabilizar na meta de resultado primário as transferências previstas nesta Lei Complementar; vedação à imposição de limites à execução orçamentária e financeira da programação orçamentária relativa às fontes vinculadas ao Fundo Nacional de Cultura e também vedação da alocação de recursos do Fundo Nacional de Cultura em reservas de contingência de natureza primária ou financeira.
LEI ALDIR BLANC
Por fim, a Lei Aldir Blanc – Lei Federal de nº 14.017/2020 – também se trata de uma norma de apoio financeiro à cultura e ao setor cultural.
Segundo o próprio Governo Federal que regulamentou a proposta, a iniciativa buscava apoiar, de forma parecida com aquela descrita acima, os profissionais da área que sofreram com impacto das medidas de distanciamento social por causa do coronavírus, sendo liberados R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) para os estados, municípios e o Distrito Federal e que poderão ser destinados a manutenção de espaços culturais.
Em outros termos, artistas, coletivos e empresas que atuam nesse setor receberiam ajuda emergencial diante da situação reconhecida pelo Decreto Legislativo de nº 6 de 20 de março de 2020, mas também foi vetado pelo Presidente da República de forma integral.
CONCLUSÃO
A cultura não possui uma relevância apenas pessoal e particular, mas também social, de forma que é também por meio dela que se cria a identificação, a evolução, o desenvolvimento de uma população com seu país.
Pode-se concluir que a cultura envolve, não apenas as empresas, os empresários, os artistas, os cidadãos, as demonstrações artísticas, o espaço e as organizações, mas também o Poder Público, a elaboração, deliberação e fiscalização de leis por todos os entes federativos.
As leis de incentivo a ela são extremamente necessárias, especialmente pois a Constituição Federal traz em seu texto o seu valor, seu papel educativo-político, as regras a serem seguidas por aqueles que às elaboram, bem como demonstram a sua necessidade em uma sociedade democrática de direito e amparam aqueles se envolvem de forma profissional com esse assunto.
Mais informações:
Graduada em Direito e Especialista em Direito Processual Civil e Argumentação Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas, especialidade Direito Constitucional, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).