Por: Miguel Gerônimo, Mestre em Poder Legislativo e Especialista em Processo Legislativo, foi servidor efetivo da Câmara dos Deputados durante 33 anos.
O Governo federal apresentou ao Congresso Nacional no último dia 31 de agosto de 2021 o Projeto de Lei nº 19/2021-CN, Projeto de Lei Orçamentária, que dispõe sobre o orçamento federal para o exercício de 2022, composto pelo orçamento fiscal referente aos Poderes da União, pelo orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto e pelo orçamento da seguridade social.
Em termos formais, previsto no art. 35, § 2º, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, o Governo cumpriu tabela ao observar o prazo para encaminhar a matéria ao Congresso Nacional, o qual estabelece que o projeto de lei orçamentária da União é encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro, tendo que ser devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa, dia 22 de dezembro.
Ao se levantar os dados contidos na peça orçamentária, chega-se à conclusão de que boa parte do projeto formulado está desconectado da realidade. Um exemplo é a frustração dos servidores públicos que não foram contemplados com dotações para a recomposição salarial, a despeito da promessa do chefe do Poder Executivo em conceder aumento de 5%. Essa negação política deve ocasionar forte pressão sobre o Poder Executivo, uma vez que a categoria está há anos sem qualquer aumento. Considerando-se que 2022 será um ano de eleição, o que dificulta enormemente a concessão do benefício, restará o distante ano de 2023 para a sua possível autorização, sabe-se lá por qual governo, com efeitos somente a partir de 2024. Até lá, a inflação ascendente terá corroído boa parte dos proventos dos servidores públicos.
Por sua vez, o novo salário mínimo tem uma previsão de reajuste de 6,27%, totalizando R$ 1.169,00, a vigorar a partir de janeiro de 2021. A elevação é inferior às estimativas de mercado para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), base de cálculo para o reajustamento, que segundo levantamento de economistas, deve acumular algo acima de 8% em 2021, o que resultará numa defasagem real ao salário do trabalhador, comprometendo o seu poder de compra.
Também a peça orçamentária não prevê aumento do valor do Programa Bolsa Família, prometido pelo Presidente da República. A alegação dos técnicos do Governo é de que sem a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios – dívidas judiciais já transitadas em julgado -, não haveria recursos para viabilizar a ampliação do programa social sem que comprometesse o teto de gastos, 2 determinação constitucional que limita a elevação das despesas à inflação do exercício anterior.
Há muito se fala que o orçamento federal é uma peça de ficção e os números presentes no projeto de lei orçamentária anual (PLOA) para o exercício de 2022 parecem comprovar esse argumento. Tirando as despesas obrigatórias previstas em legislação – como as previdenciárias e as de pessoal -, a lei orçamentária autoriza a execução de despesas discricionárias, mas o governo cumpre apenas o que lhe é conveniente. Para isso, o chefe do Poder Executivo alega a necessidade de adequação do orçamento com as suas políticas públicas. Trata-se de contingenciamentos que, em democracias avançadas, conferem ao Legislativo o poder de autorizar o corte de gastos proposto pelo Presidente da República. Ainda que este processo de análise dos cortes, com a efetiva participação do Parlamento, seja mais dificultoso e mais longo, permite aos representantes da sociedade um debate público mais transparente.
Para não estigmatizar por completo o debate, há que se destacar dois fatores relevantes presentes na proposta de orçamento para 2022: o corte substancial do valor do Fundo Eleitoral previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a não inclusão no PLOA das emendas de relator. Diferentemente dos 5,7 bilhões previstos na LDO para o Fundão, o qual foi vetado integralmente pelo Presidente da República, reservou-se no PLOA a quantia de R $2,1 bilhões para o gasto dos candidatos, valor menor que a metade pretendida pelos parlamentares. A nova previsão está mais para os valores referentes à eleição de 2018, quando 2 bilhões foram aprovados para o referido pleito.
As chamadas emendas de relator, utilizadas para contemplar principalmente os parlamentares aliados ao Governo e que atende aos pleitos dos seus redutos eleitorais, são consideradas um orçamento paralelo, secreto e sem a devida transparência, as quais estiveram presentes nas propostas dos dois últimos anos. Não acolhidas pela Constituição Federal, esses recursos transformaram o relator geral em uma espécie de executor do orçamento – papel esse a cargo exclusivamente do chefe do Poder Executivo -, sem que sejam observadas regras constitucionais de prioridade para viabilizar políticas públicas em consonância com os anseios da sociedade, em especial os segmentos mais necessitados de recursos públicos para viabilizar suas demandas sociais. O ponto positivo deste debate é que o PLOA para o exercício de 2022 não previu recursos públicos para essas emendas.
Enfim, fundamentado nos princípios orçamentários, nas disposições da Lei Maior e nos parâmetros presentes na Lei de Responsabilidade Fiscal aprovada em 2000, há que se apostar em alterações para que verdadeiro e definitivo orçamento seja atualizado a partir dos debates e votações no âmbito da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, transformando a peça orçamentária em uma lei mais próxima da realidade nacional. Em momento de crise econômica e política, agravada pela 3 pandemia do Coronavírus, espera-se dos representantes do povo posições firmes que possam resgatar o equilíbrio orçamentário e financeiro do Estado, de forma a afastar as aberrações presentes na proposta ora encaminhada à Casa da democracia: o Congresso Nacional.
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