Foto: Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo
Na última quarta-feira (24/06), o Senado Federal aprovou por 65 votos a favor e 13 contrários, o Projeto de Lei nº 4.162/2019, também conhecido como o novo Marco Legal do Saneamento Básico. Fonte de polarizações no debate político, a proposta foi inicialmente ensaiada na configuração de Medidas Provisórias (MPV 868/2018 e MPV 844/2018), por iniciativa do ex-presidente Michel Temer (MDB/SP). O novo marco legal do saneamento, entretanto, só passou a ter força política mais efetiva quando formulada em projeto de lei.
Entre os principais pontos do texto aprovado, pode-se sinalizar o seguinte:
-
Regulação do setor pela da Agência Nacional de Águas (ANA), ainda que as agências locais não sejam eliminadas;
-
Concessão de subsídios para cobertura de custos dos serviços e gratuidade na conexão à rede de esgoto para famílias de baixa renda;
-
Expansão do prazo para que os municípios possam encerrar os lixões a céu aberto;
-
Possibilidade de composição de blocos de municípios para contratação de serviços de saneamento em caráter coletivo;
-
Estabelecimento de metas de universalização, em caráter contratual, para o fornecimento de água potável e tratamento de esgoto até 2033;
-
Impossibilidade de concessão dos serviços de saneamento a companhias estaduais sem um prévio processo licitatório.
Como se nota, além de estabelecer novas metas e prazos de universalização dos serviços, o projeto também buscou estimular a competição entre as companhias públicas e a iniciativa privada, através da imposição da obrigatoriedade de prévio processo licitatório para a concessão dos serviços às companhias estaduais. Nesse ponto é que se percebe a principal inovação e aposta do marco legal: a maior participação da iniciativa privada na gestão dos serviços de saneamento.
Ainda que os efeitos mais amplos das mudanças apresentadas pelo novo marco legal só possam ser mensurados de maneira mais consistente em médio ou longo prazo, a proposta busca se colocar como alternativa viável e necessária às demandas mais urgente para o Brasil em tempos de crise sanitária e econômica.
De acordo com dados do Ministério do Planejamento, divulgados pelo portal G1*, os valores dispostos no orçamento federal destinados diretamente ao setor de saneamento, que já não eram volumosos, têm sofrido gradativa redução. O aprofundamento da crise econômica, decorrente da paralisação geral da economia por conta da pandemia do novos coronavírus, promete ser uma variável que comprometerá significativamente a capacidade do Estado brasileiro em lançar infraestrutura neste setor. Dessa maneira, o novo marco legal se coloca como uma resposta alternativa na área de saneamento e saúde para os desafios nacionais que aos poucos se agigantam.
Fonte: Portal G1
Não apenas esses recursos vêm sofrendo sucessivos cortes a nível de orçamento federal, como também tal montante sequer tangencia minimamente o real tamanho do problema. Pelos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), podemos ter uma dimensão do desafio que representa a universalização da infraestrutura de saneamento no país. São mais de 100 milhões de brasileiros sem acesso a rede de esgoto sanitário e quase 40 milhões de cidadãos sem acesso a água tratada. Mesmo o Brasil sendo uma das 10 maiores economias do planeta, a lacuna do saneamento básico é gigantesca e inclusive se associa profundamente ao quadro dramático da desigualdade econômica nacional. Independente do conteúdo político que dita sua aplicação, repensar o desafio do saneamento no Brasil é um imperativo. O novo marco legal vem na esteira dessa demanda.
Do ponto de vista do jogo político, apesar de um acordo ter sido costurado no Senado Federal de maneira muito efetiva com os opositores ao projeto (vide a retirada dos Destaques, que atrasariam a análise da matéria, realizado pelo PT), o debate fora da Casa Legislativa, entretanto, ganhou ares de forte polarização. Sob o mote de que está em curso “a privatização da água no Brasil”, os críticos ao projeto sustentam que o novo marco legal poderá não apenas encarecer as tarifas, mas também precarizar os serviços prestados no setor, prejudicando as populações mais carentes que demandam com maior urgência o usufruto e a realização das obras de saneamento.
Os apoiadores do projeto, por outro lado, contestam a tese de privatização da água alegando que o novo marco em momento algum prevê a privatização das companhias públicas, uma vez que apenas autoriza a formação de um sistema de concessões e instiga a concorrência entre setor público e privado. Também sustentam que o novo marco legal dará maior dinamicidade para o lançamento da infraestrutura em municípios sem grande capacidade financeira, sendo, portanto, uma medida necessária em tempos de crise econômica e sanitária.
Dada a possibilidade de se estruturar um cenário social absolutamente dramático no pós-pandemia, o esforço de melhoria do saneamento básico, sem dúvida, deve ser colocado em perspectiva. A melhoria da infraestrutura nesse setor garante, na ponta, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, a diminuição de desigualdades sociais mais latentes e diminui a pressão/sobrecarga nos serviços públicos de saúde, na medida em que a melhoria dos indicadores de saneamento também se torna uma forma lateral de melhoria da saúde pública como um todo.
Não é possível, enfim, que na era da exploração espacial e da inteligência artificial, tenhamos quase metade da população brasileira no limbo da falta de um mínimo de saneamento básico. Os desafios para superação dessa lacuna são enormes e dramaticamente urgentes.
REFERÊNCIAS
_____________________
Arthur Ives N. da M. Lima
Integrante da Metapolítica, bacharel e mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), atualmente é doutorando em Sociologia Política por essa mesma instituição. Atua no monitoramento e na formulação de estratégias de atuação junto ao Poder Legislativo.