As brigas políticas entre cantores e famosos nunca esteve tão cômica após a polêmica entre a dupla sertaneja Zé Neto e Cristiano e a cantora Anitta. Em um show feito na cidade de Sorriso (MT), Zé Neto falou mal da cantora afirmando que não eram artistas dependentes da Lei Rouanet, além de não precisar fazer manifestações “vulgares”, fazendo referência a tatuagem da cantora Anitta, para mostrar se estão bem ou mal.
Essa manifestação provocou a fúria de muitos fãs da cantora, e apresentaram uma sequência de dados sobre o financiamento de prefeituras para shows. Diante dessa polêmica, esse artigo seguirá uma análise sobre a criminalização do incentivo público à cultura e expor alguns escândalos expostos recentemente.
Lei Rouanet X Repasses Municipais
A Lei Rouanet é o principal mecanismo de incentivo à cultura no Brasil. Esse mecanismo é baseado no incentivo a pessoas físicas e jurídicas a patrocinarem eventos culturais. Muitos projetos podem ser abarcados na Lei de incentivo, como espetáculos, musicais, teatro, dança, patrimônio e audiovisual. Desde 2019, o governo federal reduziu de 60 milhões para 1 milhão o valor máximo permitido para cada projeto. Por empresa, o limite é de 10 milhões.
Esse formato só é aprovado após a validação do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), do Ministério da Cidadania e da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC).
Em um estudo feito em 2018 divulgado pelo extinto Ministério da Cultura em 2018, é possível identificar que a cada 1 real investido por patrocinadores nos projetos da Lei Rouanet, 1,59 retorna para economia do país. Ademais, os incentivadores do projeto podem deduzir parte ou todo valor do seu próprio Imposto de Renda (IR).
“O que a gente observou nos últimos anos foi uma criminalização de todas as políticas de incentivo à cultura, que foram alvo de um projeto da extrema-direita de colocá-la como um supérfluo. A cultura traz tantos benefícios que a ideia não é de gasto, mas de investimento”
FALA DE MIGUEL JOST, PROFESSOR E PESQUISADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CULTURA
Diferente da Lei Rouanet, os repasses municipais são mais dispersos e tendem a ser menos fiscalizados, facilitando assim, possíveis irregularidades. O problema nunca foi o incentivo à cultura no país, já que esses shows tendem a movimentar a economia local, gerando empregos e renda.
E foi nesse sentido que o cantor Gusttavo Lima pagou caro pela provocação do colega de profissão Zé Neto, ao criticar Anitta e a Lei Rouanet. Além do cachê disponibilizado pela prefeitura de Sorriso (MT) a dupla, no valor de 400 mil reais, a mídia encontrou uma divergência no valor pago para o cantor solo, no valor acima de 1 milhão, suspeitando a caracterização de desvio de verba pública pela prefeitura mineira de Conceição do Mato Dentro (MG).
O alto valor que iria ser pago e a origem do mesmo movimentou as redes sociais e forçou o executivo municipal a cancelar o contrato com Gusttavo Lima.
As Inconsistências do Repasse na Cidade
A Prefeitura de Conceição do Mato Dentro iria gastar quase 25% da aplicação do Fundeb em 2021 com shows na 32º Cavalgada do Jubileu do Senhor Bom Jesus do Matozinhos. Segundo o prefeito José Fernando Aparecido de Oliveira (MDB), a destinação dos recursos está prevista e sustentada na Lei 13.540, que trata da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. No entanto, segundo o site de transparência do Governo Federal, as receitas devem ser aplicadas em projetos, que direta ou indiretamente revertam em prol da comunidade local, na forma de melhoria da infraestrutura, da qualidade ambiental, da saúde e da educação.
Após essa possível irregularidade exposta, Roraima e Rio de Janeiro foram outros estados que passaram a investigar alguns dos repasses dos shows de Gusttavo Lima. O que mais surpreendeu na contratação na cidade de Magé (RJ), foi devido ao fato do cachê ser dez vezes maior comparado ao valor que a prefeitura planejava investir durante todo ano.
O cantor Gusttavo Lima diz que “não pactua com ilegalidades” e que não é seu papel “fiscalizar as contas públicas”. A prefeitura informou a Folha de São Paulo que entregou ao Ministério Público as informações solicitadas. “Temos plena convicção que não há nada de errado no trâmite processual para as contratações”, diz a nota.
Conclusão
O objetivo deste artigo foi mostrar a importância da cultura para o cenário brasileiro, seja pelo fator de identificação nacional ou econômico. Diante disso, a necessidade de incentivo por parte do Estado faz-se algo necessário e até produtivo em quesitos econômicos. Então, criminalizar o incentivo federal, desde que feito de forma lícita, utilizando de outro mecanismo de patrocínio público, torna-se uma hipocrisia!
A crítica que pode e deve ser feita, é a forma como os repasses são feitos, visando garantir a transparência, o respeito aos princípios republicanos, e a igualdade de acesso ao incentivo. Assim, mesmo que a ação das prefeituras não incorrem em crime, cabe a reflexão sobre as prioridades de investimentos municipais.
Graduando em Ciência Política na Universidade de Brasília (UnB) e Presidente da Strategos Consultoria Política Jr.