Por que o Senado quer tornar o feminicídio imprescritível
Atualizado: 17 de Jan de 2020
Os principais argumentos em torno à discussão da PEC 75/2019
No último dia 6, o Senado Federal votou, em dois turnos, e aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tornar imprescritíveis os crimes de estupro e feminicídio.
A proposta incide sobre o artigo 5º (inciso XLII) da Constituição Federal, que, hoje, veda a prescrição e o pagamento de fiança para a prática de racismo, e passaria a incluir o feminicídio e o estupro. Além do racismo, também constitui crime imprescritível e inafiançável “a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
Na prática, não haveria um prazo para a punição, nos termos da lei, de criminosos condenados por esses atos. Atualmente, calcula-se o tempo de prescrição em função das penas.
O texto inicial, assinado por parlamentares de distintas siglas¹, propunha apenas impedir a prescrição para o feminicídio. Por sugestão da senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o relatório foi reformulado para estender a proposição ao estupro.
Resultado unânime
As duas rodadas de votação necessárias para a aprovação definitiva da PEC na Casa ocorreram no mesmo dia, em sessões seguidas, e sem votos contrários: 58, na primeira sessão, e 60, na segunda.
Voz da autoria
A justificação da proposta se fundamenta em um dado da Organização Mundial da Saúde (OMS), que situa o Brasil no quinto lugar em taxa de feminicídio, entre 84 países que compõem o estudo. Trata-se do relatório de “Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres – Feminicídios”, pela ONU Mulheres Brasil, por órgãos do governo brasileiro e pelo Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas, publicado em 2016.
Menciona-se também um estudo da organização Mapa da Violência de 2015 que apurou o número de homicídios de mulheres em razão de sua condição de gênero entre 1980 e 2013.
A pesquisa registra 106.093 vítimas e apresenta inúmeros detalhes sobre as estatísticas, como o recorte por raça e idade, por exemplo. Além disso, mostra que, entre vítimas de agressão no Brasil, as mulheres representam o quase o dobro (2,4 milhões) da quantidade de homens (1,3 milhão) e que, em 35,1% dos casos, os agressores são seus parceiros e ex-parceiros, contra 15% das agressões cometidas contra homens em situação semelhante.
Autora da PEC, a senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) argumenta que apresentou a proposta “para não ter impunidade”. Em entrevista à Universa, afirmou que esse crime tornou-se banal e pediu urgência para a votação na Câmara, que será pautada com urgência, segundo a parlamentar.
Voz da relatoria
O relator, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), ressaltou a constitucionalidade da PEC 75: “O constituinte determinou que o racismo e a ação de grupos armados contra o Estado fossem imprescritíveis, mas, em momento algum, asseverou que a imprescritibilidade não pudesse ser alargada pela Lei”.
Vieira reiterou a necessidade de “ação estatal” voltada à punição dos agressores e comunicou o crescimento dos registros de feminicídio, conforme indicado por levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da USP e da Pesquisa Violência Doméstica contra a Mulher, realizada pelo DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência.
Próximos passos no Legislativo
O texto foi encaminhado à Câmara, onde precisa ser aprovado em dois turnos por pelo menos três quintos dos deputados federais, ou seja, 308 parlamentares.
Um reforço à legislação vigente
Embora seja expresso o aumento de ferramentas legais de combate à violência de gênero, a PEC surge em um cenário ainda trágico para a mulher brasileira, como mostram os números da ONU e do Mapa da Violência, entre outras pesquisas. Citadas na proposta, a Lei Maria da Penha (nº 11.340, de 2006) e a Lei do Feminicídio² (nº 13.104, de 2015) são fruto de uma abordagem que considera aspectos sociais específicos para caracterizar assassinatos que envolvem discriminação à condição de mulher e a violência doméstica.
Para além da criação de novas normas, é fundamental, para a garantia dos direitos humanos e constitucionais no Brasil, que mudanças na legislação estejam acompanhadas da elaboração e aplicação efetiva de políticas públicas de combate à violência contra a mulher que visem à prevenção, ao acolhimento e à proteção das vítimas.
Nesse sentido, entidades governamentais e organizações civis devem aprimorar e divulgar mecanismos de amparo a agressão, debruçando-se sobre estudos que buscam identificar as causas, métodos e consequências da violência de gênero.
Oferecido pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 é um exemplo de política pública que pretende receber, monitorar e encaminhar denúncias. A Central oferece canais disponíveis em território nacional e internacional, inclusive - e primordialmente - para registrar denúncias de violações dos direitos humanos das mulheres.
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¹ Podemos, Cidadania, PP, Rede, PSDB, PSB, PSD, PT, PSL e PROS.
² A Lei do Feminicídio foi criada a partir de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI) que investigou a violência contra as mulheres nos Estados brasileiros, ocorrida entre março de 2012 e julho de 2013. (CNJ). Conheça o Mapa da CPMI.
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Naiara Marques
Integrante da Metapolítica, jornalista formada pela UnB, mestre em Comunicação Institucional e Política pela Universidade de Sevilha - Espanha