Entregadores de aplicativos de todo o Brasil realizam hoje (1º) uma greve geral alavancada pela hashtag #brequedosapps. A paralisação nacional tem como pautas o aumento do pagamento das corridas; aumento da taxa mínima; seguro de roubos, acidentes e vida; fim dos bloqueios e desligamentos indevidos; fim do sistema de pontuação e taxa EPI (Equipamento de Proteção Individual).
O momento é acidentalmente oportuno. Para muitos daqueles que podem e entendem a importância de manter o isolamento, o serviço dos entregadores em geral deixou de ser um conforto e passou a ser uma necessidade. Portanto, esta é a chance de expor feridas da atividade que, na verdade, sempre estiveram abertas. Uma delas diz respeito à saúde e à segurança de uma classe de trabalhadores sujeitos agora a um novo risco além dos riscos habituais de uma realidade urbana violenta.
Pela lógica dos grandes aplicativos de entrega, não há relação de trabalho entre a empresa e um entregador. Desta forma, a confirmação de consentimento das condições do serviço seria suficiente para isentar de responsabilidades o não-empregador, ou melhor, o parceiro.
No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou esse entendimento depois de resgatar a questão do limbo. Um motorista de aplicativo processou uma empresa em Minas Gerais alegando danos materiais por ter ficado impossibilitado de trabalhar após ter a conta suspensa por comportamento irregular e mau uso do aplicativo. Antes de chegar ao STJ, o caso havia sido encaminhado da Justiça de MG para a Justiça do Trabalho. A leitura era de que a ação tratava de um conflito trabalhista. Esta, porém, tampouco reconheceu ter competência para julgar o caso.
O ponto decisivo sobre o julgamento reside na argumentação do STJ. Segundo o relator, ministro Moura Ribeiro, “motoristas de aplicativo não mantêm relação hierárquica com a empresa Uber, porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício entre as partes”.
Ainda que esteja assentada na legislação vigente, a interpretação do ministro abre precedentes controversos ao pressupor a autonomia do trabalhador, quando este é visto ora como independente, ora como subordinado à empresa, que detém a autoridade de, por exemplo, selecionar quem pode ser incorporado aos serviços. A discussão precisa estar ajustada à realidade. E a realidade é de precarização. Não há autonomia se não há opção. Falo de trabalho.
Hoje, os trabalhadores reivindicam segurança, melhores salários e condições mais justas de trabalho para desafiar o 5º trânsito mais violento do mundo, onde cinco pessoas morrem a cada 1 hora. A pauta não só é legítima, como é central no debate sobre as relações de trabalho. Embora seja impossível prever os efeitos da greve nas políticas dos grandes aplicativos, é razoável conjecturar um despertar do consumidor em relação à trajetória daquilo que consome. Um caminho possível para mudar a lógica do mercado.
Há de se questionar o modelo de trabalho que naturalizamos em nome da desburocratização, da modernização e da tecnologia. Há de se questionar de onde vem o que consumimos. Há de se questionar, sobretudo, o que é trabalho.
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Naiara Marques de Albuquerque
Integrante da Metapolítica, mestre em Comunicação Institucional e Política pela Universidade de Servilha (Espanha), jornalista pela UnB